O governante que tirou a América da Grande Depressão e a fez ganhar a guerra a Hitler
Eleito para uns inédito quatro mandatos, fê-lo respeitando as regras do jogo democrático, mas não sem deixar de comprar as lutas necessárias: fosse com o aparelho do Partido Democrata ou com os juízes do Supremo Tribunal. A sua morte, em abril de 1945, deixou os EUA e o mundo em choque. Mas o seu legado como governante perdura.
Bancos a falir diariamente, quase um quarto da população desempregada. Foi neste cenário de Grande Depressão que se seguiu ao crash da Bolsa e à crise financeira de 1929 que Franklin D. Roosevelt decidiu avançar para a Casa Branca. O país atravessava a pior crise desde a guerra civil que entre 1861 e 1865 ameaçara dividir a América ao meio.
"O presidente Roosevelt conduziu os destinos dos Estados Unidos durante aquele que foi o período mais difícil da história da América no século xx, um período marcado pela Grande Depressão e pela eclosão da II Guerra Mundial. Em grande medida, este contexto justifica a exceção que Roosevelt representa no panorama presidencial dos Estados Unidos, tendo sido eleito por quatro vezes consecutivas. Por outro lado, a dimensão interna ajuda também a explicar a popularidade de Roosevelt, em particular o sucesso do seu programa New Deal", afirma Luís Nuno Rodrigues, diretor do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL.
A primeira dessas eleições, em 1932, contra o presidente republicano Herbert Hoover foi a oportunidade para colocar em vigor o New Deal. Para tirar a América da crise em que se encontrava, Roosevelt criou um vasto pacote de medidas económicas em que o Estado intervinha para dar alívio, proporcionar a recuperação e trazer reformas.
Mal chegou à Casa Branca, Roosevelt mandou encerrar temporariamente todos os bancos para evitar a corrida aos levantamentos e nos primeiros cem dias trabalhou com o Congresso para criar agências estatais que ajudavam jovens e menos jovens a arranjar emprego, regulavam o mercado bolsista, os subsídios aos agricultores ou que apoiavam os negócios. A verdade é que se os bancos reabriram e se estas medidas ajudaram a salvar milhões da fome, também fizeram disparar a despesa pública e desequilibraram o orçamento. O suficiente para Roosevelt não escapar às críticas, com alguns a acusá-lo de ser um perigoso socialista.
Uma das instituições que mais resistiu às medidas do presidente foi o Supremo Tribunal. A disputa atingiu o auge após a vitória nas presidenciais de 1936, quando o Supremo declarou inconstitucionais várias medidas do New Deal, com o presidente a ameaçar aumentar o número de juízes e encher o tribunal de democratas. Esta proposta acabou por ser rejeitada, tendo gerado indignação não só entre os republicanos mas também entre muitos democratas. Mas o Supremo acabou por recuar, deixando de boicotar o New Deal.
A verdade é que nada na educação de Franklin Roosevelt o devia ter preparado para o papel de campeão do povo. Nascido a 30 de janeiro de 1882 em Hyde Park, Nova Iorque, este primo afastado do presidente Teddy Roosevelt cresceu rodeado de privilégios, com tutores a garantir a sua educação até aos 14 anos. Filho único de James e Sara Ann Roosevelt, a família de Franklin Roosevelt fez
fortuna no imobiliário e no comércio.
O ponto de viragem deu-se em Groton, a escola para rapazes onde entrou em 1896. Pouco dado a atividades físicas, Franklin preferia agradar aos professores, seguindo os ensinamentos do diretor Endicott Peabody, que incentivava os alunos a ajudar os menos afortunados, dedicando-se ao serviço público.
Formado em Harvard e em Columbia, este aluno mediano dedica-se à advocacia, mas acaba por perceber que não é a sua vocação. É então que envereda pela política, sendo eleito senador estadual de Nova Iorque aos 28 anos.
Sem medo de enfrentar os líderes do Partido Democrata, ganha notoriedade nacional e uma experiência política que lhe vai ser útil mais tarde. Apoiante de Woodrow Wilson, é escolhido para seu vice-secretário da Marinha.
Falhada a corrida ao Senado federal em 1914 e a candidatura a vice-presidente em 1920, no ano seguinte, a vida ia pregar uma partida a Franklin Roosevelt. Numas férias na ilha de Campobello é diagnosticado com poliomielite. Tem 39 anos. E, apesar dos esforços, nunca recuperará o uso das pernas.
Afastado da política durante algum tempo, é graças ao apoio da mulher, Eleanor, uma prima distante que conheceu na universidade, que ganha coragem para lutar contra a doença. Não só segue vários tratamentos inovadores, como aprende a percorrer distâncias curtas com ajuda de um aparelho e faz questão de não ser visto em público em cadeira de rodas. Eleito governador de Nova Iorque em 1928, no ano seguinte inicia a corrida à Casa Branca, com um programa económico forte, decidido a tirar a América da Grande Depressão.
Carismático, se a poliomielite lhe limita os movimentos, Roosevelt sabe usar um meio de comunicação que então começa a surgir e no qual a sua deficiência não faz diferença: a rádio. Apenas oito dias depois de tomar posse faz o primeiro discurso radiofónico com um estilo simples e direto que irá cativar os americanos ao longo dos seus 12 anos de mandato. Um estilo que funcionaria hoje, na era dos diretos televisivos e das redes sociais? Para Luís Nuno Rodrigues, "em teoria, sim", até porque "ninguém deve dispor de menos oportunidades para desenvolver uma carreira política devido a diferenças físicas ou de outra ordem", explica o académico.
Os últimos anos da presidência de Roosevelt ficariam marcados pela II Guerra Mundial. Fiel a uma política isolacionista desde o fim da I Guerra Mundial, com Roosevelt a América já começara a apostar antes numa política de boa vizinhança com a América Latina. Mas quando o conflito, iniciado em 1939, alastra na Europa, o presidente americano não hesita em transformar as suas fábricas no "arsenal da democracia", fornecendo armas aos aliados - França, Reino Unido e União Soviética.
Os relatos das atrocidades vividas na Europa fazem cair o sentimento isolacionista dos americanos e quando os japoneses atacam Pear Harbor, em dezembro de 1941, fica claro que os EUA não podem continuar neutrais.
Longe dos campos de batalha, a retaliação contra os japoneses faz-se também em solo americano, com Roosevelt a assinar a lei que decreta o internamento em campos de todas as pessoas de ascendência japonesa a viver na costa ocidental dos EUA. Uma ordem que não abrangia o Havai, onde um terço da população tem antepassados japoneses, mas que deixa uma mancha no legado de Roosevelt.
Empenhado no papel de comandante supremo, o presidente trabalha de perto com os chefes militares e ajuda a desenvolver a estratégia que levará os Aliados à vitória. Para derrotar a Alemanha, planeia uma série de invasões - no norte de África em novembro de 1942, na Itália em 1943 e na Normandia em junho de 1944.
Com a guerra ainda a decorrer contra o Japão no Pacífico, Roosevelt, em fevereiro de 1945, participa com o britânico Winston Churchill e o soviético Estaline na cimeira de Yalta, onde traçam as bases da nova ordem mundial. Promotor do que serão as Nações Unidas, Roosevelt volta aos EUA com a saúde debilitada. O desgaste da guerra e as tensões internas refletiram-se em problemas cardíacos e circulatórios. A 12 de abril de 1945, o presidente sofre um derrame cerebral e morre.
Foram 12 anos na Casa Branca, quatro eleições - um percurso tão excecional e contra aquela que era a tradição americana que levou à mudança da lei para limitar formalmente os mandatos a dois -, reformas económicas que marcaram a América durante décadas e uma vitória na guerra que fez dos EUA a superpotência que continuam a ser hoje.
Na era de Donald Trump, o que resta do legado de Franklin Roosevelt? Para Luís Nuno Rodrigues, "a herança de Roosevelt, sobretudo a nível interno, começou a ser posta em causa na segunda metade do século xx, em particular durante a administração Reagan. Nesse sentido, resta muito pouco em termos concretos, pois muitos programas foram sendo abolidos".
Mas o diretor do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL garante que a herança de Roosevelt "permanece enquanto ideal inspirador de propostas políticas vindas sobretudo do Partido Democrático, em áreas como a saúde ou a segurança social". E com as presidenciais de 2020 já no horizonte, "muitos dos candidatos às eleições primárias deste partido parecem definitivamente apostados em recuperar uma parte da herança rooseveltiana", explica o académico, lembrando ainda que "expressões como o 'Green New Deal'" entraram no vocabulário político a propósito das alterações climáticas"