O valor perdido definitivamente pelo Fisco por não conseguir cobrar impostos aumentou de forma expressiva (20%) no ano passado, furando a barreira dos 10 mil milhões de euros em receita fiscal que nunca mais será recuperada..De acordo com a Conta Geral do Estado relativa ao ano passado (CGE 2023), entregue esta semana (até dia 15) à Assembleia da República (AR), a dívida dita “incobrável” atingiu 10,4 mil milhões de euros, valor que daria para sete alívios fiscais em sede de IRS como promete o Governo PSD-CDS..Recorde-se que o pacote anual de redução da carga de IRS (por via de escalões e taxas), que segundo o ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, é para abranger todos os escalões, mas deve sentir-se sobretudo nas classes médias, e está avaliado em cerca de 1,5 mil milhões de euros..De acordo com um levantamento feito pelo DN/Dinheiro Vivo, este valor em dívidas fiscais incobráveis (pois assumem-se para sempre perdidas por não haver forma ou recursos para as cobrar) atingiu, em 2023, um máximo histórico, tendo triplicado face a 2016. Equivale agora a 4% do Produto Interno Bruto (PIB)..Segundo explica o Tribunal de Contas nos seus pareceres à CGE (até à conta de 2022), a dívida passa a incobrável quando o Fisco se depara com “falta de bens penhoráveis do executado, seus sucessores e responsáveis solidários ou subsidiários”..Apesar de o Fisco ser cada vez mais eficiente, os níveis de dívida fiscal incobrável têm vindo a aumentar de forma dramática, porque muitas tem sido as empresas que vão à falência, entram em insolvência e fecham, desaparecem, o mesmo podendo acontecer com os particulares..O Tribunal de Contas, que emitirá um parecer sobre esta CGE até ao final de setembro próximo, tem avisado repetidamente que este problema dos impostos incobráveis, que tem vindo a galopar (em 2022 tinha duplicado face a 2016, agora já é três vezes maior), “constitui um fator de risco acrescido para a sustentabilidade das finanças públicas”, afirma a instituição presidida por José Tavares no parecer sobre a CGE de 2022..O Tribunal explica que toda esta dívida incobrável resultava, no final de 2022, “da tramitação de 7 271 745 processos de execução fiscal, referentes a dívidas desde 1974”..Constata-se ainda “que cerca de dois terços desta dívida respeitam a contribuintes com atividade cessada em IVA e que para o aumento assinalado contribuíram as crises financeiras, a situação de pandemia de covid-19 e a crise energética, bem como a alteração da jurisprudência quanto à contagem do prazo que decorre até à prescrição da dívida”, diz o TdC..Na CGE de 2023, o Ministério das Finanças não esconde o problema cada vez maior que tem em mãos..“A receita por cobrar pela AT - Autoridade Tributária e Aduaneira (passado o prazo de cobrança voluntária) ascendeu, no final de 2023, a 26 757,7 milhões de euros, representando um aumento de 2 476,4 milhões de euros (+10,2%) face ao valor de 2022. Para esta evolução contribuiu o aumento de 721,4 milhões de euros (+10,1%) da dívida ativa e de 1726,6 milhões de euros (+19,9%) da dívida incobrável”, diz o documento entregue agora ao Parlamento..“Assim, no final de 2023, 29,9% da carteira correspondia a dívida ativa, 31,6% a suspensa e 38,9% classificada como incobrável.” Ou seja, a dívida considerada definitivamente perdida é a que mais pesa no bolo total das dívidas à AT..O Governo explica que todo aquele valor de quase 27 mil milhões de euros de receitas devidas à AT “abrange toda a dívida em cobrança coerciva”. Isto é, “abrange dívida ao Estado (fiscal e não fiscal) e também, por exemplo, as dívidas relativas a receita fiscal dos municípios e das regiões autónomas, bem como de entidades externas em cobrança pela Autoridade Tributária e Aduaneira”..Cobrança coerciva dispara, prescrições afundam.A recuperação de dívidas fiscais de forma coerciva junto dos contribuintes aumentou de forma significativa, quase 21%, no ano passado, revela também a nova CGE..O documento indica ainda que o nível de dívidas fiscais prescritas (impostos definitivamente perdidos por ter expirado o prazo legal para a sua efetiva cobrança) afundou mais de 55% em 2023..Segundo a CGE, em 2023, “foi registado em receita do Estado decorrente da cobrança coerciva o valor de 1294,9 milhões de euros, verificando-se um acréscimo de 223,6 milhões de euros (+20,9%) face ao ano anterior”..“Para esse acréscimo contribuiu essencialmente a variação positiva registada no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), nos outros impostos diretos, no imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e nos juros de mora”..Quando aos impostos prescritos, o ministério informa que “a prescrição das dívidas fiscais, em 2023, situou-se em 19,6 milhões de euros, o que representou uma diminuição de 24,1 milhões de euros (-55,2%) relativamente ao ano anterior”..“O IVA manteve-se, em 2023, como o imposto com maior peso (43,3%) no total do valor da prescrição, apresentando, no entanto, uma diminuição do valor prescrito, de menos 16,6 milhões de euros (-66,3%), face ao ano anterior.”.luis.ribeiro@dinheirovivo.pt