Bolsas milionárias: os três cientistas que vão tornar a investigação portuguesa mais rica
São três áreas muito diversas: as neurociências, a história e a engenharia de novos materiais e, ao todo, valem 6,3 milhões de euros, que vêm para a investigação científica em Portugal durante os próximos cinco anos. Três das 291 bolsas milionárias - de consolidação, como se designam - hoje anunciadas pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla de língua inglesa) contemplam investigadores portugueses, ou a trabalhar em Portugal.
Há um outro português que recebe uma destas bolsas ERC. É Pedro Carvalho, professor e investigador de biologia na Universidade de Oxford, no Reino Unido, que vai receber dois milhões de euros para estudar os mecanismos de regulação do núcleo celular na homeostase, o processo que permite aos organismos vivos manter em equilíbrio as suas condições internas.
Em Portugal, a neurocientista Marta Moita, que lidera o Laboratório de Neurociências Comportamentais na Fundação Champalimaud, vai receber dois milhões de euros para estudar, em moscas da fruta, a forma como, em contexto social, o cérebro organiza e define os comportamentos defensivos. A pergunta é: face a uma ameaça, a mosca paralisa, foge ou ataca? E o que determina esse comportamento, tanto a nível cerebral, como social? Para responder, o estudo utiliza sofisticadas tecnologias genéticas e neuronais.
Outra investigadora contemplada, no seu caso com 1,6 milhões de euros, é a historiadora Maria de Lurdes Rosa, da Universidade Nova de Lisboa, que se propõe aprofundar a investigação sobre os morgados, figura que se constituiu como um dos pilares da propriedade e da autoridade na sociedade portuguesa pré-moderna (anterior à Revolução Francesa), incluindo nos Açores e Madeira, em Cabo Verde e no Brasil, mas também noutros países do Sul do Europa, como Espanha, França e Itália.
Esta é a primeira bolsa de consolidação ERC atribuída a um investigador português na área da História, e a verba milionária vai permitir constituir uma equipa, passar em revista todos os arquivos públicos e privados, de norte a sul do país, criar uma base de dados documental de acesso aberto, e produzir novo conhecimento.
Finalmente, o italiano Antonio Ambrosio, que vai desenvolver o seu trabalho no INL, o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, em Braga, receberá 2,7 milhões de euros para produzir materiais novos, capazes de se auto-organizarem e auto-reconfigurarem, para aplicação futura em realidade virtual e realidade aumentada, levando para outro patamar a sua concretização.
Este ano, outros seis cientistas portugueses ou a trabalhar em Portugal já foram contemplados com bolsas ERC. Cinco, no valor global de 7,5 milhões de euros, são bolsas Júnior, e outra é uma bolsa Synergy, no valor de 3,5 milhões de euros - foi ganha pelo cientista Edgar Gomes, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes da Universidade de Lisboa -, o que representa um total de 17,3 milhões de euros no conjunto das bolsas ERC ganhas este ano para Portugal.
Para Marta Moita, esta não é a primeira bolsa ERC. Há cinco anos a neurocientista do Centro Champalimaud recebeu uma bolsa Júnior, no valor de 1,4 milhões de euros. Nessa altura era escasso o conhecimento sobre os mecanismos cerebrais na base dos comportamentos defensivos e foi essa verba que lhe permitiu apostar numa abordagem inovadora do problema, usando a mosca da fruta e tecnologias genéticas e neurais que lhe permitiram seguir o rasto à génese neuronal do comportamento das moscas nos seus minúsculos cérebros.
O que Marta Moita e a sua equipa já descobriram aponta para uma componente social forte no comportamento da mosca quando esta enfrenta uma situação potencialmente ameaçadora. Tal como os humanos desatam a correr perante uma multidão em fuga, também as moscas da fruta, tudo indica, se comportam de forma idêntica face às suas congéneres, numa situação análoga no universo das moscas.
"Já reunimos fortes indícios que sugerem que a resposta da mosca a uma ameaça é fortemente modulada pela resposta das suas congéneres", explica Marta Moita. Os próximos cinco anos servirão para aprofundar o conhecimento nesta direção.
"Este projeto fornecerá uma compreensão abrangente do mecanismo de imobilização e da sua modulação pelo ambiente, da escala do neurónio à do comportamento", explica a neurocientista, que espera "encontrar princípios de organização que possam ser generalizados a outras espécies, como aconteceu com os sistemas olfativo e visual de insetos e mamíferos ", sublinha.
Os dois milhões de euros da bolsa ERC vão servir para contratar investigadores especializados para equipa e adquirir novos equipamentos.
Para Maria de Lurdes Rosa, a bolsa que acaba de ganhar representa uma mudança de escala para o seu trabalho. "Desde a licenciatura que estudo este tema e até agora, a maior verba que tivemos foi de 30 mil euros, de um projeto da FCT, que terminámos em 2005, e com a qual fizemos imenso", explica a professora e investigadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
A verba de 1,6 milhões de euros vai "permitir contratar cinco doutorados para fazer investigação e quatros mestres que vão fazer o levantamento dos arquivos públicos e privados em Portugal, incluindo nos Açores e Madeira, sobre os morgados e capelas fundados entre os séculos XIV e XVII", adianta a investigadora.
Além do "reconhecimento da qualidade do projeto que a bolsa representa", sublinha, ela "vai permitir consolidar a equipa e finalizar o trabalho em que estamos envolvidos, muitas vezes com a ajuda de estudantes, desde 2008".
O estudo desenvolvido por Maria de Lurdes Rosa aponta para que entre os séculos XIV e XVII terão sido fundados em Portugal cerca de sete mil morgados e capelas no continente e ilhas e nas geografias atlânticas que o reino colonizou durante esse período, como Cabo Verde e o Brasil. O objetivo é fazer o levantamento dos arquivos para os identificar a todos e com isso criar depois uma base de dados aberta com toda essa documentação.
A partir do seu estudo, a equipa vai produzir ainda cinco livros. Um deles será o guia dos arquivos; outro incidirá sobre a figura dos morgados nas ilhas atlânticas (Madeira, Açores e Cabo Verde) e outros três tratarão dos temas do poder, do parentesco e da identidade social portuguesa, partindo do vínculo que constituiu a figura do morgado, com as suas propriedades e autoridade, e enquanto figura agregadora da família.
As bolsas ERC de consolidação destinam-se "a investigadores de excelência com sete a 12 anos de experiência" e atribuem até dois milhões de euros para cinco anos, que podem ser acrescidos de mais 750 mil euros, como é aliás, o caso de Antonio Ambrosio, que vai desenvolver o seu trabalho em Braga, no INL.
O orçamento do ERC provém do Horizonte 2020 e são ao todo 13,1 mil milhões de euros (17%) do bolo global do programa europeu para a ciência, tecnologia e Inovação.
As bolsas hoje anunciadas contemplam 291 investigadores - selecionados entre 2389 candidatos, o que significa uma taxa de aprovação de 12,2% - num total de 573 milhões de euros, o que mostra como estas bolsas são competitivas.
Para Carlos Moedas, comissário da Investigação Ciência e Inovação, estas bolsas da UE "promovem de facto a investigação e a inovação na Europa porque dão a cientistas de topo a possibilidade de arriscar e de aprofundar as suas melhores e talvez mais arrojadas ideias". O comissário europeu regozijou-se "em saber que estas bolsas ERC irão financiar um grupo muito diversificado de pessoas de 40 nacionalidades a trabalhar em mais de 20 países, e que a lista dos destinatários das bolsas também reflete que temos muitas mulheres cientistas excelentes na Europa." É o caso das duas portuguesas contempladas.