Quando foi a última vez que você respirou corretamente?", perguntou-me o terapeuta.Ele chamava-se Allan. Passados trinta minutos da minha primeira consulta, eu ainda estava à espera de que ele chegasse à parte em que me iria ajudar a superar o fim da minha relação.."Não tenho certeza de estar a perceber o que quer dizer com isso", respondi.."É fácil, uma respiração completa. Com os pulmões cheios de ar.."Não sei," disse eu. "Eu estou sempre a respirar." Tentei dirigir a conversa para o que me interessava. "Eu só acho que preciso de descobrir o que aconteceu..."."Não estou interessado no que aconteceu", disse ele. "Estou interessado na última vez que você respirou normalmente. Você é uma mulher jovem e saudável. Mas a sua ficha diz-me que está com dificuldades no trabalho, que não come uma refeição completa há semanas e que não consegue dormir. Precisa de resolver isso..Eu pensei que a terapia ajudaria a convencer-me de que a perda da pessoa a quem me tinha dedicado durante anos era uma coisa boa. Em vez disso, algo na manifesta insistência de Allan nos sintomas e não na causa deixou-me desconcertada..Ele olhou-me por cima do seu bloco de notas. "Você está toda curvada", disse. "Está com um ar infeliz. O seu trabalho de casa para a próxima semana vai ser fazer os exercícios que eu lhe vou mandar por e-mail. São seis sessões, quero-a a respirar e a dormir bem quando acabar.".A caminho de casa depois da consulta, eu já havia descartado as palavras de Allan e voltado à minha programação normal: passar em revista os sete anos que tinham decorrido desde que conheci o meu ex, evocando todas as memórias para saber onde é que tinha corrido mal..Tínhamos começado com dois anos de desejo silencioso (eu) e de saídas com outras pessoas (ele), antes de finalmente termos feito o nosso caminho para uma casa e uma vida a dois em Londres. Até que, num verão prolongado e doloroso, ele partiu..Sempre me orgulhei de ser forte, do meu poder de recuperação, mas aqui estava eu, meses depois, lutando com perguntas sem respostas durante a noite e despertando numa desolação assustadora..Deitada e sem conseguir adormecer naquela noite, perguntei-me se não estaria a cometer um erro ao entregar os meus problemas a outros. O foco de Allan na respiração soava-me suspeitosamente a mindfulness..Entretanto tive outra longa noite pela frente, por isso procurei o meu telefone no meio dos lençóis e foi aí que vi o e-mail prometido.."Descarregue a aplicação no link abaixo", dizia. "Quando a usar, imagine um lugar em que se sinta feliz e segura. Mantenha essa imagem na sua mente. Em seguida, concentre-se na sua respiração. Use a aplicação todas as noites antes de dormir. Exercite-se.".Procurei na minha mente o lugar feliz prescrito e acabei numa praia de seixos na costa sul de Inglaterra onde tinha passado os verões da minha infância. Tentei lembrar-me das suas pedras simultaneamente duras e suaves ao toque, dos sons do meu irmão a gritar no mar..A aplicação, Positividade com Andrew Johnson, começou. Com pronúncia escocesa, um homem fez uma contagem decrescente a partir do 10..Com uma ponta de curiosidade, tentei respirar. Allan tinha razão: o meu peito estava tenso. Tentei empurrar o ar para baixo e a minha barriga distendeu-se como a de uma criança. Enquanto tentava sincronizar a minha respiração, a visão da praia fugia e depois reaparecia, interrompida por fluxos de pensamento..Ainda assim, continuei a tentar todas as noites. Aprender a respirar era pelo menos alguma coisa diferente, uma pausa rápida na análise exaustiva da minha própria desgastada história de amor..Quando consultei Allan algumas semanas depois, a nossa conversa voltou-se para a intuição.."O que lhe diz o seu instinto sobre o que deveria estar a fazer?", perguntou ele.."O meu instinto?", sentia-me embaraçada. "Eu não sinto nada cá dentro." Olhei esperançosamente para baixo, para a minha barriga. Em privado, sempre me perguntei o que as pessoas entendiam por intuição.."Mencionou que estava nervosa, que se sentia muitas vezes ansiosa desde o início do ano", disse ele. "Porque acha que isso aconteceu?".Sempre confiei no fluxo de adrenalina para fazer as coisas. No entanto, uma energia mais profunda, mais frenética do que o habitual, tinha-se instalado durante os meses que antecederam a saída do meu namorado..Essa tensão empurrava o aspirador de pó mais rapidamente pela sala de estar e infundia-se nas refeições que eu tinha começado a fazer a partir de livros de receitas. O nosso apartamento nunca tinha estado tão limpo. Nos domingos chuvosos, pedia-lhe que fizesse planos para uma viagem a Paris, coisa que não lhe apetecia muito.."Acho difícil acreditar que o meu corpo soubesse que algo estava para acontecer antes de o meu cérebro o ter percebido", disse eu com petulância na voz.."A intuição é um sentido desenvolvido a partir das suas experiências passadas, dos livros que leu, dos sons na rua, das conversas e expressões faciais", disse Allan. "Tudo informações valiosas. Pode ajudá-la a distinguir entre o que é real e o que é falso, reparar em algo perigoso. Mas talvez você confie mais nos seus pensamentos."."Os pensamentos são tudo o que tenho, certamente", respondi. "É aí que toda essa informação acaba sendo processada."."Há muita pesquisa que discordaria de si. Porque não tentar ouvir o seu corpo em vez da sua cabeça? Foi daí que todos os seus sentimentos vieram.".Sentimentos. Nós nunca tínhamos conversado sobre sentimentos. Mas à medida que as semanas passavam descobri que emoções dolorosas, há muito fossilizadas e distantes, começavam a tomar conta de mim de uma forma humilhante. As lágrimas caíam--me pela cara em supermercados, os meus ombros sacudiam-se silenciosamente em viagens de carro familiares..Os meus sentimentos eram como o bêbedo que aparece tarde de mais para a festa, avaliando mal o ambiente. No entanto, era um alívio estranho descobrir que eu era capaz de os ter. As lágrimas eram uma coisa nova, carnal. O sal provocou uma erupção em redor das minhas pálpebras de uma maneira que eu suspeitava que não tinha que ver inteiramente com o fim de uma relação..A separação tinha feito outra coisa: tinha aberto uma fenda, e a respiração só parecia estar a alargá-la. Os segredos e as desgraças anteriormente recalcados encontraram a fenda e vieram à tona, confusa e ruidosamente. Eles estavam silenciados há anos, mas agora queriam água e ar..Na companhia de Allan, eu parecia passar cada vez mais tempo a sentir-me como uma idiota. "Eu não estou a tentar armar--me em difícil...".De repente, ele tornou-se gentil. "Eu não acho que esteja", disse. "Mas, no fundo, as pessoas geralmente sabem quando alguma coisa está para acontecer. Quando algo tem de mudar.".A última vez que falei com Allan foi ao telefone; eu tinha um trabalho que não podia deixar. Ele foi tão direto como sempre. "Está tudo bem", disse ele, enquanto eu pedia desculpas. "Você vai ficar bem. Mas quero dizer-lhe que se o seu ex-namorado voltar, pense seriamente. Boa sorte. E não se esqueça de preencher o formulário de avaliação.".Mais tarde, naquele dia, do outro lado da minha mesa de trabalho, o meu telefone deu sinal. Era uma mensagem do meu ex: "Queres encontrar-te comigo? Gostaria de falar contigo.".Como é que Allan tinha previsto aquilo? O amor antigo atraiu-me de volta, mesmo reduzido à forma digital.."Quando?", respondi. "Onde é que te queres encontrar?".Poucos dias depois, após uma noite de conversa casual num bar, vimo-nos numa rua de Londres repleta de pessoas. Estava uma noite clara e fria de novembro. Senti-me encurralada. Dez minutos antes, ele olhara-me fixamente nos olhos e dissera: "Acho que devíamos tentar de novo. Sinto a tua falta." Palavras que eu tinha estado ansiosa por ouvir.."Compreendo que seja uma surpresa", disse ele. "Vou esperar pela tua decisão."."Eu não sei o que dizer", murmurei..Mas em seguida apareceu a praia. Descobri que quanto mais tempo passava a imaginar aquela praia, melhor me sentia, mais reparava nas coisas. Naquela tarde, por exemplo, tinha gostado de como o ar frio cheirava a lareiras..Mesmo agora, cheia de medo, eu tinha pensado por instantes como os autocarros vermelhos davam um aspeto alegre à cidade enquanto passavam no escuro..Percebi que ele estava à espera de uma resposta, mas fiquei muda. O tráfego rugia e eu podia sentir os meus pés a vibrar com o pavimento. O vento frio passou por mim, provocando-me. Tudo estava em sintonia com uma nova voz interior, que falava baixinho e inesperadamente.."Deixa-o", dizia a voz. "Pega no que é teu e corre.".Assim, quase sem dizer palavra, virei-me e corri para o autocarro..Isto foi há alguns anos. Allan não me deu nenhuma cura para o desgosto, mas ensinou-me algumas coisas. A cuidar do meu corpo, a respeitá-lo. A questionar a minha mente, que não entende metade do que pensa que entende. A compreender que o tempo gasto no espaço entre as intermináveis histórias que contamos a nós mesmos é o presente..Hoje dou mais importância a sentir-me em paz e feliz do que a estar apaixonada. Não tenho a certeza de que o amor seja amor se nos consumir, se dominar os nossos pensamentos. Talvez seja outra coisa: obsessão, dependência..Embora seja um erro perdermo-nos num relacionamento, encontrarmo-nos novamente pode revelar-se demorado e caro. Mas respirarmos livremente, sentirmo-nos alerta para o mundo e estarmos em contacto com as nossas emoções? São apenas 2,79euro na loja de aplicações. E muito trabalho..Em seguida, no entanto, eu gostaria de tentar ter amor e felicidade ao mesmo tempo. Ouvi dizer que é possível..Olivia Gagan é jornalista em Londres..Exclusivo DN/The New York Times