Riqueza mundial em paraísos fiscais ultrapassa os seis biliões de euros

Estudo de economista francês Gabriel Zucman mostra a riqueza escondida dos países em jurisdições de difícil acesso. Há muitos anos que o Ministério Público e a PJ tentam furar os muros do sigilo levado ao extremo
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Foi talvez com excesso de honestidade que o advogado Nuno Godinho de Matos referiu, em defesa de um cliente seu acusado na "Operação Furacão", que nos final dos anos 90 era "chique, "era bem", era inteligente, era sofisticado, era distintivo, era de classe social superior" fugir ao fisco. Não com uma simples adulteração ou omissão nos rendimentos comunicados ao fisco, mas sim pelo "planeamento ou elisão fiscal". Um estudo do economista francês Gabriel Zucman ( "A Riqueza Oculta das Nações") revelou que os portugueses têm 69 mil milhões de euros aplicados em offshore (81 mil milhões de dólares) quase o montante que a troika emprestou a Portugal e que custou fortes medidas de austeridade.

"A mota não é perigosa, a condução é que é". É com esta metáfora que o fiscalista Nuno Sampayo Ribeiro resumiu ao DN o problema dos offshores, estruturas perfeitamente legítimas, mas que, como referiu o fiscalista, podem ser utilizadas para fins ilícitos. O mais habitual diz respeito à evasão fiscal, que em Portugal já foi largamente investigado no processo da "Operação Furacão", que já conta com quatro acusações por fraude fiscal e branqueamento de capitais. Foram precisos dez anos para o Ministério Público dominar e, posteriormente, acusar os promotores da fraude fiscal. Esta, na prática, consistiu na criação de empresas fictícias em sociedades offshore, que depois simulavam prestação de serviços a empresas portuguesas. Por sua vez, estas faziam refletir estes "custos" na respetiva contabilidade, obtendo com isso vantagens fiscais em sede de IRC. "A prestação de serviços de consultadoria envolvendo empresas offshore é do mais complicado que há para fazer prova, porque dentro da consultadoria cabe quase tudo", explicou ao DN um experiente inspetor da Polícia Judiciária em matéria de branqueamento de capitais.

Furar a barreira do sigilo dos offshores também nem sempre é fácil. Aliás, muitas das jurisdições que oferecem este tipo de serviços fazem gala das suas regras de sigilo, as quais nem perante pedidos internacionais de cooperação cedem. "Só após o 11 de setembro é que muitos países e offshore, como a Suíça e as ilhas Virgens Britânicas, se tornaram mais colaborantes, mas continuam a existir jurisdições de muito difícil acesso, como as que estão localizadas no pacífico", acrescentou a mesma fonte ao DN.

Além do "Furacão", nos últimos anos têm surgido outros processos judiciais que indiciam uma certa sofisticação na utilização de offshores para operações duvidosas. Já em 2009, por exemplo, se descobriu que o antigo BPN liderado por Oliveira Costa utilizou uma offshore, a Jared, para todo o tipo de pagamentos, desde contratos a pagamentos em numerário a antigos administradores, logo não declarados fiscalmente. Mais tarde, no chamado "caso BCP", apurou-se que a então administração liderada por Jardim Gonçalves utilizou 17 offshores para comprar acções do próprio banco, empolando o seu valor. Terá sido também através de offshores que Ricardo Salgado, antigo presidente do Banco Espírito Santo, recebeu a "prenda" de 8,5 milhões de euros do construtor civil José Guilherme. Mais tarde, o antigo banqueiro acabaria por retificar a sua declaração de IRS, fazendo constar o valor da oferta.

Na perseguição aos esquemas fraudulentos utilizando offshores, o Ministério Público deparou-se há poucos anos com o "Monte Branco", um circuito que envolveu depósitos em dinheiro feitos em Portugal a um cambista conhecido por "Zé das Medalhas" e a sua posterior colocação, através de contas no antigo BPN IFI de Cabo Verde, na Suíça. Mais 100 milhões de euros terão sido "lavados" neste esquema.

"Desde 2008, após a crise financeira, houve um reforço da tributação que incide sobre as famílias. Porém, os offshores permitiram a quem tem maior capacidade contributiva esconder essa situação. E, mais grave, poderão estar a ser utilizados para esconder dinheiro de branqueamento de capitais e de corrupção, como parece ser o caso dos "Panama Papers"", sintetizou Nuno Sampayo Ribeiro. De facto, os "Panama Papers" levaram o problema para outro patamar, já que as revelações incluem suspeitas sobre figuras de primeiro plano mundial, como o presidente russo Vladimir Puttin.

Por agora, a Procuradoria-geral da República disse ao DN estar a "acompanhar a situação, recolhendo elementos e procedendo à respectiva análise". Rui Araújo, jornalista da TVI, que pertence ao Consórcio Internacional de Jornalistas que revelou o caso, garantiu ontem que serão revelados mais nomes de portugueses ligados às offshores do Panamá. Só depois de saberá se há ou não crimes.

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