Assistência religiosa aos militares foi institucionalizada há 50 anos

A partir de 2004, com o fim do serviço militar obrigatório, apenas 13 sacerdotes frequentaram o curso para capelães militares no Exército e só sete continuam nas fileiras
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A ligação entre a Igreja e as Forças Armadas portuguesas perde-se no tempo mas só há 50 anos, meio século após a laicização do Estado imposta pela I República, é que foi institucionalizada a assistência religiosa aos militares.

Foi em setembro de 1967, já a meio da guerra colonial, que o primeiro curso para capelães militares foi ministrado na Academia Militar (AM) - que este ano evoca o cinquentenário da efeméride em data ainda a definir - e com 58 sacerdotes do continentes e ilhas como alunos, conta ao DN o capelão da escola, tenente António Santiago.

Esse curso tinha quatro semanas de duração e, a exemplo do que ocorre atualmente, visava transmitir aos capelães o que era a instituição militar, a sua história, legislação, valores e virtudes. "É uma recruta", refere o padre com um sorriso.

"Todos os que acabavam o curso de Teologia tinham de vir fazer" o da Academia Militar "por causa do Serviço Militar Obrigatório", recorda António Santiago, oficial contratado desde 2010 - o último ano em que os capelães entraram para as Forças Armadas e de Segurança "sem concurso público" e por indicação da hierarquia eclesiástica, para colmatar as lacunas surgidas com o fim daquele regime em 2004.

Desde 2004 até agora só 13 sacerdotes frequentaram o curso, dos quais só sete estão nas fileiras. Os últimos três voluntários foram incorporados em janeiro deste ano, adianta o tenente António Santiago.

O capelão militar lembra que, com o advento da I República, a tutela política rejeitou a presença institucionalizada da Igreja nos quartéis. Mesmo na I Guerra Mundial, com o envio do Corpo Expedicionário Português para França em janeiro de 1917, os pedidos da tutela militar foram rejeitados - pelo que os padres foram para o teatro de guerra com o apoio das paróquias e também "acabavam por ser enfermeiros, coveiros...".

O primeiro capelão militar, António dos Reis Rodrigues, foi nomeado em 1947 e para poder lecionar Deontologia Militar e Ética na Academia Militar. Esse padre mantém-se nas fileiras até 1965, donde sai por ter sido nomeado bispo - mas só dois anos depois e vinte após a sua entrada é que os capelães militares "passam a auferir um salário", com a criação do referido primeiro curso naquela instituição de ensino do Exército, recorda António Santiago.

Teatros de guerra

Seguiram-se missões sucessivas em três teatros de guerra: primeiro como capacete azul no Líbano (2011/12), onde uma companhia de engenharia militar do Exército atuava sob a bandeira da ONU; seguiu-se o Afeganistão (2013/14), na operação da NATO; a última foi o Kosovo (2016), também ao serviço da Aliança.

"Não é possível estabelecer termos de comparação entre essas missões, porque são realidades e culturas muito diferentes." Mas "é nas Forças Nacionais Destacadas [no exterior] que nos apercebemos do que se significa dizer "família militar", "espírito de corpo"... lá estão presentes", diz o capelão, pois "há uma maior procura no campo da fé" por parte dos militares.

Isso explica-se pelo facto de os militares "terem um horário nas unidades" em Portugal e poderem ir às respetivas paróquias, enquanto durante as missões no estrangeiro "estão de serviço 24 horas por dia durante seis meses", refere o tenente António Sampaio - e é o reconhecimento da importância que os capelães militares aí têm, assinala, que levou a própria NATO a nomear um capelão coordenador para gerir os das diferentes nacionalidades presentes no Kosovo (e noutros teatros de operações).

"O capelão, lá fora, tem sempre uma responsabilidade redobrada de não falhar... desde o comandante ao soldado mais moderno. E não é só por ser padre, mas por estar disponível", observa o militar. Não é assim por acaso que "há países com dois e três capelães a acompanhar os contingentes", sublinha.

Acresce que "o capelão acaba por ser também um elemento de ligação com as autoridades locais e as populações", destaca o oficial, dando o seu exemplo: "No Kosovo procurei contactar as instituições religiosas e civis para saber quais as necessidades a que poderíamos dar ajuda." Na base disso está a chamada cooperação civil-militar (CIMIC) desenvolvida pela NATO e que a leva a ter "uma diretiva própria para a assistência religiosa às Forças Armadas", enfatiza o capelão da Academia Militar.

Segundo as normas orientadoras do Comité Militar da NATO sobre o CIMIC num tempo em que "os meios militares são cada vez mais solicitados para apoiar as autoridades civis, ao mesmo tempo que o apoio civil às operações militares é importante", a assistência religiosa constitui um dos fatores - a par do político, económico, cultural, social, humanitário e ambiental - a "ter em conta [no] planeamento e condução das operações militares".

"Cá não há essa oportunidade", diz António Santiago, pelo que no Exército "procuro estar disponível para todos... mesmo para os evangélicos", dando "um conselho ou uma palavra amiga (que está acima da religião)" a quem o procura, conclui o tenente capelão António Santiago.

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