Draghi deve ser menos convencional

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Mario Draghi abriu a porta na semana passada para algum pensamento lateral sobre a política monetária da zona euro. Na reunião do Conselho do Banco Central Europeu, o presidente do banco deu a entender que, na próxima reunião em dezembro, teriam de analisar cuidadosamente todos os instrumentos de política monetária disponíveis.

Isto é simultaneamente desejável e triste - é desejável pelo que transmite sobre a sua determinação em repor a meta da inflação; triste porque não deveria ter sido necessário. A zona euro está mais uma vez numa posição em que a recuperação económica está a abrandar antes de ter realmente começado, em que os riscos globais estão a aumentar e em que a inflação continua muito longe da sua meta.

Então em que deverá consistir este pensamento lateral? Uma extensão do programa de quantitative easing do BCE para além da data programada para o seu fim, em setembro de 2016? Outro corte nas taxas de juros?

Isto é o que espera a opinião consensual, mas isso seria pensamento vertical, não lateral. Seria também ineficaz. O pensamento lateral deve levar-nos para lá das abordagens convencionais.

Devemos começar a recordar a nós mesmos a razão pela qual estamos nesta posição miserável passados apenas nove meses do início do QE. O BCE e outros prognosticadores foram simplesmente demasiado otimistas em relação ao impacto deste programa relativamente pequeno sobre a inflação. A inflação global em setembro foi exatamente igual à de março. A inflação subjacente subiu de uma taxa anual de 0,63% em março para 0,88% em setembro, um aumento de um quarto de ponto percentual.

Este último constitui uma avaliação justa do sucesso do programa. A maior parte do qual se deveu, provavelmente, a um único acontecimento - o fim da crise de crédito no setor bancário italiano. O QE ajudou verdadeiramente a Itália. Valeu a pena fazê-lo só por isso. Mas isso também significa que o efeito do QE a partir de agora não vai ser assim tão grande.

Os governadores do BCE podem querer refletir sobre como uma extensão do QE poderia fazer que a inflação regressasse à sua meta e que outras condições terão de ser postas em prática para que isso aconteça. Será que o QE funcionaria melhor se os governos da zona euro incorressem em défices orçamentais mais elevados?

Os governadores devem perguntar-se se a sua meta de inflação não será uma das razões para estarem na crise em que estão.

Matteo Renzi, o primeiro-ministro italiano, está a usar atualmente todos os truques que conhece para contornar as regras orçamentais europeias. Os seus cortes de despesa previamente planeados são mais baixos; os cortes de impostos são maiores - e do tipo errado; e, contra o parecer da Comissão Europeia, está agora a cortar nos impopulares impostos sobre a propriedade em vez de o fazer nos impostos sobre o trabalho.

Mas conseguirá o BCE encontrar uma forma politicamente viável de apoiar a expansão orçamental do senhor Renzi enquanto a Alemanha e os restantes países estão numa fase de consolidação? Existirão outras maneiras para o BCE criar procura agregada na economia?

Os governadores poderão querer refletir também sobre a meta da inflação em si e questionar-se se uma das razões para a crise atual não será a maneira como é formulada a meta da inflação em primeiro lugar: uma taxa de inflação abaixo, mas próxima dos 2%.

Esta formulação, feita para agradar aos alemães nos primeiros anos do euro, deixa muito espaço de manobra para interpretação. Eu conheço economistas na Alemanha que consideram qualquer taxa de inflação acima de 1% consistente com a meta. E para eles a atual inflação subjacente de 0,9% dificilmente constitui razão suficiente para o lançamento da próxima bazuca monetária.

Eu pergunto-me se os governadores não fariam um favor a si mesmos ao limitarem-se a clarificar a sua meta - não a aumentando, mas simplesmente reformulando-a para os 2%, nem mais nem menos.

Isso livrar-nos-ia de qualquer dúvida sobre a trajetória em que estamos agora e para onde temos de ir. A anterior geração de banqueiros centrais intelectualmente preguiçosos achava que a ambiguidade lhes era útil. A atual geração tem aprendido que a ambiguidade funciona contra eles.

Ainda não estamos no ponto em que os governadores vão considerar propostas verdadeiramente radicais - tais como um aumento na meta da inflação ou uma meta do produto interno bruto nominal, muito menos a opção atómica de um lançamento de dinheiro para a economia. Eles irão tentar primeiro esgotar os instrumentos existentes.

Os banqueiros centrais são sujeitos conservadores. Mas eles devem ter um interesse racional em evitar a perda da sua credibilidade.

O conselho que lhes dou é que, primeiro, estendam o programa atual para lá dos limites definidos - mais um ano de QE -, acordem outro corte na taxa de depósito e considerem a adição de outros instrumentos à mistura, como títulos de empresas.

Mas muito mais importante ainda: tenham um plano B verdadeiramente radical pronto a ser usado em 2016, à espera do próximo choque de que não estavam à espera. Irão precisar dele.

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