Thomas Hobbes (1588-1679) chamava ao Estado o "deus mortal". Max Weber (1864-1920) reconhecia na política a existência de "forças diabólicas". A ação política constitui um difícil teste para quem atinge posições de efetiva responsabilidade. O corpo do Estado - criatura artificial amplificadora da vontade geral - tende a deformar por excesso o corpo e a autoestima de quem se alcandorou a posições de mando. O "exercício do poder", como a história dos povos o prova tragicamente, transforma-se numa droga dura para alguns aventureiros, atraídos, sobretudo nas eras de crise, para as fornalhas do Estado. Se o Brasil não estivesse no clube restrito das grandes potências, a inacreditável fuga de Lula à justiça, acoitando-se no governo da sua protegida Dilma, seria apenas mais um burlesco episódio onde a jogada política e o banditismo se confundem. Com este gesto, Lula suicidou-se moral e simbolicamente, pois colocou a salvação da sua pele à frente do respeito da lei e da segurança do seu povo. Em 24 de Agosto de 1954, Getúlio Vargas (1882--1954), a mais extraordinária e polémica figura da história brasileira, presidente da República entre 1930-45, e de 1951 até à sua morte, usou o suicídio como transcendente ato político de entrega a um Brasil que queria libertar da desigualdade interna e da dependência externa. Na sua corajosa carta-testamento - que Tancredo Neves (1910-1985), seu leal companheiro, sempre considerou uma profética bússola para a democracia - Getúlio escreveu: "Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo (...) Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte (...) saio da vida para entrar na história". A grandeza nunca morre. Lula pode escapar à justiça, mas da história o melhor que poderá esperar é o esquecimento.