Cegueira moral

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O caso Rocha Andrade-Galp é uma versão parola do caso Barroso-Goldman Sachs. A identidade das duas situações está no seu fundo político comum: ao serviço de quem estão, afinal, os políticos? Dos cidadãos, que os elegem na esperança de que os seus representantes honrem a procura e o respeito pelo bem geral? Ou, como já anunciava o grande Benjamin Constant, numa famosa conferência de Paris (1819), fazendo fretes aos mais ricos? O grande perigo para a liberdade nas sociedades modernas, residiria, avisava Constant, no facto de o poder político tender a sucumbir à sedução dos interesses económicos instalados, até porque "para obter os favores da riqueza é preciso servi-la". A diferença entre Barroso e Rocha Andrade é a mesma que existe entre o indício forte e o flagrante delito. Depois de tudo o que se sabe sobre a responsabilidade do setor financeiro no naufrágio da União Europeia, um ex-presidente da CE assumir um cargo cimeiro na Goldman Sachs é revoltante. Agora, aceitar uma boleia ao futebol, paga por uma empresa que tem um conflito com o Estado, que o convidado deveria servir, é de uma grosseira e inaceitável parolice. Não há almoços gratuitos, mas ao menos que se utilizem os talheres, em vez de lançar as mãos ao prato! Augusto Santos Silva veio prometer, como cortina de fumo, um "código" de conduta. Seria preferível, aos governantes, a leitura obrigatória dos textos centrais da ética kantiana. Perceberiam que até uma criança saberia distinguir o que Rocha Andrade baralhou. Para nossa ilustração, este caso parece revelar, ainda, que o lugar deixado vago pelo BES, como "dono disto tudo", já tem sérios candidatos para o seu preenchimento. A política, tal como a natureza, tem horror ao vazio.

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