Percorremos a história humana sempre com medo: de Deus, do imperador, da guerra, das pragas, da fome, da máquina, da revolução, da bomba nuclear. Agora temos também medo do algoritmo. A síntese desse medo está numa entrevista dada no sábado passado ao DN por Yuval Harari: "Os especialistas calculam que dentro de algumas décadas não serão só os empregos de taxistas e médicos, mas cerca de 50% de todos os postos de trabalho nas economias avançadas serão ocupados por computadores." As programações computacionais capazes de se autocorrigirem, inscritas nas memórias quânticas, de ADN, eletrónicas, massivamente instaladas em milhões de aparelhos de inteligência artificial que comunicam entre si, tornam relativamente fácil esta previsão do autor: "À medida que os algoritmos expulsam os seres humanos do mercado de trabalho, a riqueza pode concentrar-se nas mãos da pequena elite que possui os algoritmos todo-poderosos, criando desigualdades sociais e políticas sem precedentes." A posse desse novo bem - o do algoritmo - não dará apenas imenso poder aos poucos bilionários que serão os seus proprietários. "O próprio corpo humano pode sofrer uma revolução sem precedentes graças à bioengenharia e a interfaces diretas entre cérebro e computador", e uma quase inevitável, na atual forma de organização da sociedade, utilização discriminatória dessa evolução técnica pode originar que "pela primeira vez na história as classes superiores não serão apenas mais ricas do que o resto da humanidade, mas também viverão muito mais tempo e terão muito mais talento". As previsões pessimistas sobre admiráveis mundos novos são também recorrentes na história da humanidade. Nos últimos anos são, aliás, frequentes as conferências em que se discutem os efeitos da robotização no mercado de trabalho. Jerónimo de Sousa, do PCP, já propôs até a redução dos horários de trabalho, sem perda de remuneração, à medida que a produção humana for substituída por robôs. Lembro-me de Vítor Bento, na altura conselheiro de Estado de Cavaco Silva, defender a ideia, numa entrevista que lhe fiz, de que em breve os computadores seriam capazes de prever todas as ações humanas com impacto económico, o que possibilitaria aos governos anteciparem as crises, planeando em tempo útil a implementação de medidas que as evitassem. Esta versão hi-tech de uma economia planificada implicará, parece-me, que o próprio governo económico do mundo acabe entregue aos computadores, sem intervenção humana, para perpetuação inerte do statu quo - afinal, todos os dias, os algoritmos já negoceiam sozinhos nas bolsas de valores milhares de milhões de euros. Será que Mário Centeno, o agora apelidado Cristiano Ronaldo do Eurogrupo, pode afinal ser substituído por um robô?... Não é, portanto, apenas a classe trabalhadora que corre perigo de extinção com o advento dos robôs. A lista das inutilidades funcionais da humanidade contará, até, a direção dos governos do mundo e a gestão das próprias empresas. Esta evolução tecnológica, mais coisa menos coisa, parece inevitável e convive com a morte à fome, nas zonas pobres do planeta, de milhões de pessoas... Incrível! Os perigos já identificados para este futuro próximo, ao mesmo tempo tão cheio de potenciais positivos (e um deles será, precisamente, a erradicação da fome), levariam a que o bom senso impusesse uma reorganização da sociedade que desse o controlo do mercado dos algoritmos e de outras tecnologias fulcrais a toda a humanidade e não apenas a alguns indivíduos... Mas o bom senso, parece, vai também ser definido por um algoritmo.