Dizem as narrativas habituais que o Bloco de Esquerda, o PCP e o PEV passam demasiado tempo a afirmar as respetivas "identidades", por medo de serem confundidos com o centrismo europeísta do PS. É verdade que assim é, de facto. É - e às vezes até demasiado, como se todos não conhecêssemos os dois partidos, o que representam, para quem falam, o que são e o que foram. O esforço, aliás, roça quase o patético, ocasionalmente, como se fôssemos todos estúpidos. Não há volta a dar: por mais que o BE e o PCP e o PEV se digam críticos da UE, do euro e de todos os mecanismos que impõem a Portugal fortes limites de soberania na governação económica, a verdade é que foram os três partidos à esquerda do PS que viabilizaram os Orçamentos do Estado apresentados pelo governo do PS (orçamentos construídos dentro das limitações impostas pela UE) e os dois Programas de Estabilidade apresentados pelo governo do PS (idem idem, aspas, aspas). Não vale a pena: os partidos à esquerda do PS estão dentro da governação, não estão fora. Para o bem e para o mal terão de ser corresponsabilizados pelos seus resultados, tanto no que tiverem de positivo (reposição de direitos, devolução de rendimentos) como pelo que tiverem de mau (fortes limitações na despesa pública com respetivas consequências na degradação de muitos serviços públicos). Mas enfim: sendo este procedimento mais ou menos expectável na esquerda parlamentar, já se estranha que agora o PS também mostre problemas de identidade. Quem assistiu às últimas jornadas parlamentares do partido, quinta e sexta-feira passadas, em Bragança, passou o tempo a ouvir os mais importantes dirigentes não só a afirmarem a autonomia estratégica do PS, como também - e por arrastamento - a ignorarem gloriosamente os contributos dos partidos que apoiam os socialistas no Parlamento para o sucesso da governação - e "sucesso" foi precisamente a palavra que mais se ouviu naquela reunião, "sucesso" no défice, "sucesso" no PIB, "sucesso" no emprego. Carlos César, líder parlamentar, não fez uma referência aos "primos" (é assim que alguns socialistas designam o BE, o PCP e o PEV), Ferro Rodrigues, presidente da Assembleia da República, também não, e o mesmo se passou, qual cereja no topo do bolo, no discurso final de encerramento feito pelo líder do partido, António Costa. Quer dizer: já nem se pede que o PS e o respetivo governo assumam que sem o BCE a manter a dívida barata nenhuma saída do PDE (procedimento por défice excessivo) teria sido possível (como não teria sido possível a saída do resgate, em 2014). Mas uma palavrinha de agradecimento os "primos" teriam com certeza merecido. Ainda para mais, não só os parceiros foram ignorados, como também, em cima disto, pelo menos Carlos César e Ferro Rodrigues fizeram questão de afirmar o PS como estando no centro da esquerda e, nessa medida, indisponível para frentis-mos de esquerda que o fizessem alinhar, por exemplo, em delírios antieuropeístas. Sabemos que o PS está obrigado a palavras de aviso, já tendo em conta a negociação orçamental que se aproxima - mas escusam de embrulhar isso em ideologia. É só de um orçamento que se trata. Deixem-se portanto estar sossegados: felizmente os partidos parlamentares portugueses - todos eles - têm a sua ação balizada por programas ideológicos. Essas balizas são mais ou menos flexíveis - mais no PS e à direita do PS, menos à esquerda - mas existem e sabemos quais são. E isso é bom - ou seja, não são uma coisa à brasileira, como o PMDB do "presidente" brasileiro Temer, que não tem limite ideológico nenhum e portanto funciona numa lógica de leilão permanente, admitindo tudo e o seu contrário e decidindo sempre genericamente de acordo com quem paga mais.