A velhice do Novo Banco

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O caso do Banco Espírito Santo foi um dos mais espantosos e dramáticos da história da finança mundial. Dois anos depois, é quase incrível ver como o Novo Banco, instituição de transição que lhe sucedeu, parece seguir precisamente o mesmo caminho, repetindo os erros que levaram à queda do antecessor.

O presidente do PS, Carlos César, declarou que as "ofertas pelo Novo Banco são vexatórias" (Expresso, 7 de Janeiro). Tem razão, mas a pergunta que se impõe é: porque será? Porque é que ninguém faz propostas boas? Não é certamente por engano. Há razões válidas para isso, mas esse tema está afastado da discussão. Aliás, como mostram as suas declarações, esse responsável ignora totalmente a situação do balanço da instituição, o valor dos activos, posição de crédito, presença no mercado e todos os elementos relevantes do problema. O que ele está a fazer é o que hoje se chama uma "análise política". Trata-se de um exercício que, omitindo o diagnóstico real e concreto do caso, se centra na imagem mediática, nas opiniões de dirigentes, nos palpites de forças influentes.

Ora é fundamental não esquecer que esse foi precisamente o vício que destruiu o Banco Espírito Santo. A instituição arruinou-se por pôr sistematicamente a política e os interesses à frente da finança. Os créditos eram aprovados não pela sua solidez económica, mas por conotações de poder. O dinheiro seguia não regras financeiras, mas favores pessoais. A saga da venda do Novo Banco, que já leva dois anos e meio, revela como esse vício está endémico na sociedade portuguesa.

A doença é generalizada. Francisco Louçã, professor catedrático do ISEG e sumo sacerdote do regime, sugere veementemente que se mantenha o banco na esfera pública (blogue Tudo Menos Economia, 3 de Janeiro). Neste caso, para lá das dominantes alusões políticas, ao menos existe uma referência aos custos: "O imediato, a contabilidade das contragarantias, e o mediato, a perda fiscal ao longo dos anos." Mas não é espantoso que nunca faça um esforço para comparar esses custos com os da sua solução alternativa? Quanto custa nacionalizar o banco? Não cairia nesse caso todo o peso nas costas dos contribuintes? Esse foi o caminho no célebre caso BPN, que todos os políticos desde então juram não querer repetir. Louçã, como César, pode ter razão. Mas também não está a fazer uma análise financeira.

Este é o busílis da questão. O problema do Novo Banco é, antes de mais, um problema bancário, creditício, financeiro. É verdade que o caso tem muitas repercussões políticas e sociais, que devem ser tomadas em conta. Mas a prioridade tem de ser o elemento directamente bancário. E é um problema bancário vasto, complexo, profundo. Tem demorado tanto tempo a deslindar porque a dimensão e a complicação da instituição são enormes. Quando alguém muito importante está doente, quem lida com a questão é o médico. Família e amigos, por muito que se aflijam com o drama, respeitam os diagnósticos e tratamentos técnicos. No caso do Novo Banco temos uma enorme quantidade de leigos a pontificar nas terapêuticas em total ignorância da situação.

Multiplicam-se os treinadores de bancada que atribuem culpas e criticam decisões sem dar fundamentos. Carlos Costa, governador do Banco de Portugal, tem sido crucificado na praça pública como culpado supremo. Muito mais do que Ricardo Salgado, gestor máximo do BES. Muitos, com pomposidade, garantem ter sido um erro a resolução do banco, sem apresentarem uma continha que seja como fundamento, e sem terem dito nada na altura em que teria sido relevante.

É verdade que um processo tão terrível como o do BES não acontece sem fortes culpas da entidade reguladora, o Banco de Portugal. Também é verdade que muitos desses responsáveis acabarão impunes, e até beneficiados, como aliás também os que geriram o banco. Mas é preciso dizer ainda que o governador teve tomar opções muito difíceis e exigentes, em condições de extrema emergência e sem muita da informação que só agora está disponível. Aquele que estiver sem pecado que atire a primeira pedra.

Talvez o aspecto mais surpreendente de toda esta terrível questão seja a omissão do elemento decisivo. Portugal, ao longo de anos e de múltiplas formas, públicas e privadas, andou a esbanjar capital de maneira totalmente irresponsável. Hoje encontra-se exangue, sem poupança, sem investimento, paralisado por falta de fundos. O nosso problema não é a promoção do consumo, como diz a estratégia governamental, mas a captação de capital para relançar um desenvolvimento sustentável ou, ao menos, para uma sobrevivência minimamente equilibrada da economia. Este caso da venda do Novo Banco, precisamente por ter apenas suscitado ofertas vexatórias, mostra a situação aflitiva em que se encontra o nosso sistema bancário, senão mesmo todo o aparelho produtivo. Trazer algum capital estrangeiro serviria, ao menos, para não ficarmos sozinhos a suportar o monstruoso buraco que herdámos.

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