A retirada de Trump do Acordo de Paris é sustentada pela política

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O abandono norte-americano do Acordo de Paris é mais fácil de compreender se for visto como uma peça clássica do teatro político de Trump. O presidente afirmou que queria sair do Acordo de Paris porque este destruiria empregos na região do carvão e nas fábricas americanas. Embora esse argumento seja um disparate, a verdadeira mensagem política que Trump queria passar à sua base de apoio - que ele enfrentará aqueles chineses hipócritas que estão a construir mais fábricas que usam carvão como combustível mesmo quando falam sobre a sua liderança nos cortes de emissões, bem como os europeus que pontificam sobre o aquecimento global em salões elegantes mantidos em segurança pelo poderio militar americano - foi bastante eficaz. Em termos políticos, não importa realmente se qualquer coisa que ele diz é verdade. O que interessa verdadeiramente é que caia bem entre a audiência doméstica.

No entanto, em termos económicos, o presidente, ou mais precisamente Steve Bannon e outros pertencentes ao campo político da "América Primeiro", estão a tomar uma decisão errada ao acharem que uma estratégia nacionalista de energia baseada nos combustíveis fósseis mais sujos tornará a América mais forte ou mais segura.

Para começar, a maioria dos empregos na indústria do carvão nos EUA não foi perdida na administração de Obama, mas entre as décadas de 1950 e 1970, à medida que a indústria mudou para técnicas de mineração mais avançadas. Assim como os trabalhos nas fábricas foram automatizados, também o trabalho nas minas de carvão centrado no ser humano já deu lugar a operações altamente mecanizadas.

Mais recentemente, o carvão tem estado em declínio devido à concorrência do gás natural mais barato e mais limpo. Embora se possa argumentar com base em empregos na construção de infraestruturas que aumentariam a capacidade de refinaria do gás natural doméstico e o levariam às fábricas do Midwest, ainda não ouvimos nenhuma estratégia coerente a esse respeito.

Além disso, não faz qualquer sentido pensar em estabelecer uma ligação entre a energia do carvão e a indústria da cintura da ferrugem, já que o custo da eletricidade usada nas fábricas nos EUA já era bastante baixo em relação a outros países, mesmo antes do boom do gás de xisto.

Não há motivos para pensar que essa dinâmica de energia irá mudar. O desenvolvimento de 2003 a 2015 em matérias-primas de todos os tipos - petróleo, gás natural, carvão térmico, minérios de ferro e cobre - foi resultado da procura chinesa e da flexibilização monetária do banco central, que levou muito dinheiro para esses mercados. Essas dinâmicas estão agora a mudar, já que a Reserva Federal dos Estados Unidos se retirou do quantitative easing e a China desacelerou, em parte porque os seus decisores políticos compreenderam que devem passar para um modelo económico menos baseado na procura (e menos intensivo na energia).

Segundo os dados do McKinsey Global Institute, o setor de recursos naturais perdeu dois triliões de dólares em valor das ações em 2015, já que os gastos globais em matérias--primas caíram em 50%. Ao mesmo tempo, as energias renováveis estão a atingir a massa crítica à medida que a tecnologia diminui o custo da energia solar e eólica. Tudo isso vai afastar a economia global dos combustíveis fósseis e aproximá-la das energias renováveis, não por razões de regulamentação, mas por inovação tecnológica e economia de custos. O MGI calcula que uma combinação do decréscimo da procura (em resultado de coisas como carros automáticos e redes inteligentes), e do aumento da eficiência (de sensores e tecnologias máquina a máquina que gerem melhor o consumo de energia) e uma mudança para fontes de energia limpa poupará ao mundo de 900 mil milhões a 1,6 triliões de dólares entre 2017 e 2035.

As empresas que criam e usam essas tecnologias poderão ganhar bastante. É por isso que o fundador da Tesla e da SpaceX, Elon Musk, e o CEO da Apple, Tim Cook, juntamente com a maioria dos outros grandes líderes empresariais, estão a protestar contra a decisão de Trump de sair do Acordo de Paris. "As alterações climáticas são reais", escreveu Elon Musk. "Sair do Acordo de Paris não é bom para a América nem para o mundo."

A maioria do valor empresarial está em Silicon Valley (10% das maiores empresas que representam 80% da riqueza do setor privado são principalmente grandes empresas tecnológicas ricas em propriedade intelectual). Os empregos de tecnologia limpa que estão a ser criados são do tipo que o presidente deve apoiar para tornar a América grande de novo. "É suposto Trump ser um presidente amigo das empresas", diz Vishal Sikka, diretor executivo da Infosys. "Ele tem de perceber que a oportunidade de negócios em áreas como painéis solares, tecnologia de baterias verdes e parques eólicos é enorme."

Se ele percebe isso ou não, ninguém sabe. Mas os líderes empresariais conservadores percebem. O empresário Ted Halstead, diretor do Climate Research Council, está a impulsionar uma aliança de líderes empresariais, na sua maioria republicanos, que querem avançar com um plano de redução de carbono envolvendo uma reversão regulatória, mas também um imposto sobre o carbono que pagaria dividendos aos consumidores, bem como um ajuste internacional da fronteira de carbono que penalizaria países como a China, se eles continuarem a usar carvão sujo. Embora os liberais não gostem de nada que prejudique a Agência de Proteção Ambiental, eles provavelmente apoiariam as medidas referidas.

Tudo isto faz sobressair uma parte importante da rejeição do Acordo de Paris por Trump. Ele não rejeitou a ciência das alterações climáticas, mas sim uma aliança global em torno do acordo existente, dividindo assim os campos de Bannon e dos conselheiros mais moderados, como Gary Cohn.

Ele deixou a porta aberta para que as empresas defendam as suas próprias agendas, e para que os conservadores e os liberais na América debatam, a nível doméstico, sobre a estrutura de qualquer novo programa de combate às alterações climáticas. Ele também se dirigiu, com sucesso, à sua própria base de apoio. A saída do Acordo de Paris pode ser arriscada a nível económico. Mas para o Sr. Trump tudo tem a ver com política.

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