Torrar a saúde?

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A torradeira elétrica foi inventada em 1893. Quando apareceu, era uma coisa extraordinária, hoje é uma banalidade que todos têm em casa. As mais baratas custam 20 euros, a diferença de preço depende mais do design do que da tecnologia, toda ela relativamente básica. E no entanto se alguém tentasse construir uma torradeira a partir do zero, é provável que demorasse muito tempo até conseguir fabricar todas as peças necessárias. Isto significa o seguinte: até a coisa mais banal é bastante mais sofisticada do que parece à primeira vista. O resultado final depende da integração de várias dezenas de componentes que complexificam o processo, exigindo a colaboração de várias pessoas e empresas - as que fazem os parafusos, as que vendem o metal, etc. - até as fatias de pão estarem prontas a ser tostadas. O mundo hoje é de facto muito complicado, exige a colaboração de vários talentos e até a conjugação de objetivos de certa forma antagónicos para que se atinja um resultado final positivo. É este o caso das parcerias público-privadas na saúde. São boas ou são más? Deve o Estado assinar mais acordos assim? Se tivéssemos em conta a primeira experiência, a do Amadora-Sintra, a resposta seria um redondo não - é melhor ficar por aqui, quer em termos financeiros quer quanto aos cuidados de saúde. Mas entretanto o Estado e os privados aprenderam a calcular melhor os preços e a avaliar os riscos, o que incentivou a construção de mais três hospitais neste modelo. Neste preciso momento, o governo está a reavaliar dois destes quatro contratos. Quer ver se a fatura paga está bem calibrada e se a pode reduzir. É justo que o faça, é natural, é a lei do mercado, mas não deve misturar ideologia neste assunto - como quer o BE. Pode ser necessário chegar a alguns compromissos, mas pôr tudo em causa seria um erro. Seria queimar anos de experiência por pensar que o mundo é tão simples como uma torradeira - não é, nem as torradeiras são, afinal, assim tão básicas.

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