O ateliê dele na Rua da Alegria era conhecido como "a sacristia". Todos passaram por lá, arquitetos ou não, por aquelas salas onde se desenhava à mão em estiradores de tampo inclinado. Nuno Teotónio Pereira era o mestre que catalisava a criatividade e as ideias novas e que não concebia o trabalho sem partilha. Todos passaram por lá, como recorda Ana Tostões no texto que lhe dedica, nomeando alguns dos que foram colegas e discípulos, sempre tratados como pares. Faziam arquitetura e muito mais, pensavam as novas ideias do modernismo e da vida, juntos porque era das várias vontades e reflexões que tudo nascia. Sempre de cigarro aceso, Nuno Teotónio falava numa voz metálica, com uma lentidão particular e tenaz, sem palavras ao acaso. Era uma enciclopédia que apetecia ouvir, um sábio sem segredos nem vaidades. O que ele fez enquanto arquiteto está resumido nas páginas de Artes deste jornal, com testemunhos de alguns dos muitos que o admiraram. Perdeu a fé já quando passava dos 50 anos, crítico da hierarquia da Igreja de então, ele que conhecia os melhores e os piores recantos e doenças do país. Fez habitação social com um respeito notável pelos moradores e é quase uma homenagem poética que o Prémio Pritzker deste ano tenha sido, há poucos dias, atribuído a um outro homem dessa causa, o chileno Alejandro Aravena. Ajudou a traçar novos bairros como Alvalade e os Olivais e, com Nuno Portas, levou ao sublime a simplicidade na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, onde vai ficar hoje para que possamos despedir--nos. Ver as imagens dele a sair da prisão de Caxias na noite de 27 de abril de 1974 ou a discursar ao lado de Soares e Cunhal naquele primeiro 1.º de Maio é recordar como este homem especial fez da liberdade o valor maior de uma vida inteira. Aquele que aos 18 anos tirou o H do nome Theotónio e iniciou um caminho que pôs todos, novos e velhos, a tratá-lo apenas por Nuno.