O comboio já saiu da estação. O que está feito está feito. Mário Centeno apresentou o Orçamento do Estado em Bruxelas, reescreveu-o, recebeu luz verde, ouviu críticas e comprometeu-se a ter pronto um plano B a usar a meio do ano, se for mesmo preciso, para corrigir a trajetória das contas públicas. Na verdade, não será bem um plano B, será mais o plano G ou H, tantas foram as alterações ao cenário inicial do PS, desenhado em abril do ano passado, mas isso parece não importar muito ao pragmático António Costa, talvez mais preocupado com a subida dos juros da dívida pública do que com os comentários alarmantes que se ouvem desde que o documento foi apresentado. Um destes comentários saiu, sem surpresa, da boca de Wolfgang Schäuble. O ministro das Finanças alemão sublinhou de forma muito expressiva os riscos de Portugal aumentar a despesa pública tão cedo - e fê-lo não sem razão; mas dias depois voltou à carga com o célebre indicador torto em riste. Schäuble fez aquilo que os mais fortes podem fazer sem dificuldade e sem pensar aos mais fracos: bullying. Não podendo chumbar o Orçamento português em Bruxelas, porque teria de fazer o mesmo a outros que cometem idênticos pecados - como o espanhol ou o italiano ou o francês, embora com riscos muito diferentes do nosso -, o número dois de Merkel usou o fortíssimo poder da palavra do Ministério das Finanças alemão para condicionar António Costa, embora tenha escolhido mal o timing, o que retira, digamos, seriedade ao alerta, porque ajudou a perturbar ainda mais os mercados. Era isso que ele desejava? Naquela altura, já Mário Centeno se comprometera a preparar um pacote de medidas, o célebre plano B, para usar em caso de emergência, isto é, se a execução orçamental começar a falhar. Talvez este seja um ponto que valha a pena sublinhar. Centeno não anda de moto, não usa casacos de cabedal, nem vem da extrema-esquerda, embora tenha hoje um pacto com ela. Centeno não é Varoufakis. Não saiu da reunião do Eurogrupo ao ataque, não pôs em causa as regras do Pacto Orçamental, não acusou a Alemanha de enriquecer à custa do sócios mais pobres, nem disse que Schäuble, licenciado em Direito, não percebe de economia. O ministro das Finanças português, embora defendendo o Orçamento que assina e que lhe coloca em cima dos ombros um grau de responsabilidade elevadíssimo, apontou as críticas que ouviu e aceitou preparar o tal plano B sem cenas de teatro. É o que se espera de um governo que não pode repetir as bravatas de José Sócrates. Não pode mesmo, seria imperdoável, seria catastrófico, seria estúpido, apesar de poder agradecer ao Banco Central Europeu a margem simpática - juros com calmantes para cavalo - que lhe permitiu apresentar um Orçamento que de outra maneira teria sido neutralizado à nascença. Por tudo isto, Centeno fez bem em ignorar a língua viperina de Schäuble.