Uma delegação de deputados de três dos quatro partidos presentes no Parlamento de Ancara esteve em Lisboa no quadro de uma visita a vários países para explicar os acontecimentos em torno do golpe de Estado de 15 de julho..Numa entrevista conjunta ao DN, representantes do Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP, no governo), Partido Republicano do Povo (CHP, principal força da oposição) e do Partido Democrático dos Povos (HDP, de esquerda e pró-curdo), comentaram a situação política, as repercussões do golpe e os desafios atuais e futuros da sociedade turca. Um desses desafios é o do processo de adesão à União Europeia (UE), matéria em que governo e oposição partilham do mesmo desapontamento perante Bruxelas.."Se a UE não assumir uma posição clara e reconhecer que a Turquia deseja realmente a integração, partilha dos mesmos valores da UE, isso será sinónimo de desconfiança para connosco, e teremos um divórcio. Não é normal ser-se noivo durante quase 60 anos", afirmou Serdal Kuyucuoglu, do CHP. A referência temporal remete para o início dos contactos entre Ancara e a então CEE, em 1959. Idêntica interpretação é a de Hüseyin Sahin, do AKP, para quem a "Turquia está a gastar gasolina num sinal vermelho", devido à lentidão com que decorrem as negociações com a UE. Também ele considerou que "será a última vez que aceitamos ficar parados. Se a UE tem os seus critérios [os capítulos do acquis comunitário], Ancara também possui os seus", disse o representante do AKP..Se existe vasto terreno comum nesta matéria, que se estende também à condenação do golpe militar de julho, "um dos mais trágicos acontecimentos alguma vez sucedidos no nosso país", afirmou o presidente da delegação, Ali Ercoskun, do AKP, há outras matérias em que o partido do governo e os da oposição defendem posições irredutivelmente opostas. Caso da revisão da Constituição com o objetivo de reforçar os poderes do presidente - um projeto que é caro ao atual detentor do cargo, Recep Tayyip Erdogan. Uma estratégia do AKP que os deputados da oposição, ouvidos pelo DN, consideram "que irá desembocar numa ditadura", como referiu Ceyhun Irgil, do CHP. Para este parlamentar, o progressivo afastamento do "respeito pela Constituição contribuiu, de algum modo, para preparar o caminho do golpe militar". Recordando que "até há não muito tempo, o partido no governo apoiou essa estrutura", o movimento do clérigo Fethullah Gülen (que o poder político responsabiliza pelo golpe), o deputado do CHP nota que o seu partido mantém-se intransigente defensor de um sistema parlamentar..Ercoskun, do AKP, insistiu na urgência e importância da revisão constitucional. "Vamos discuti-la no Parlamento; será referendada e aprovada", garantiu. Com, pelo menos, "60% dos turcos" a "votarem favoravelmente as mudanças"..[artigo:5289133].O representante do HDP, Altan Tan - recordando que o seu partido condenou o golpe mas não foi convidado para a manifestação nacional de 7 de agosto em Istambul -, salientou como essencial uma "política de reconciliação nacional" para estabilizar o país. Mas, em sua opinião, o que está a suceder é o contrário: "assistimos cada vez mais a atitudes autoritárias" da parte do poder político. E traça um quadro pessimista, sugerindo que "a Turquia parece hoje um navio sem comandante num oceano revolto"..Para o deputado do HDP, é urgente "ultrapassar a velha mentalidade do Estado turco [pós-otomano] em que se prefere destruir a própria casa a permitir que os curdos tenham sequer uma tenda". Esta é uma questão central. Outras são o "respeito pelo Estado de Direito" e uma solução "para as tensões entre os setores seculares e não seculares". Sem a resolução destas questões, a Turquia viverá "numa situação de permanente conflito", disse Tan.