Mário Wilson morreu esta segunda-feira aos 86 anos após uma doença que o debilitara há algum tempo, sobretudo depois de em 2014 ter sofrido um AVC. O Velho Capitão, como era carinhosamente tratado, foi uma personagem incontornável do futebol português, como jogador e treinador, mas sobretudo como líder e protagonista de algumas frases que marcaram a história..Nasceu a 17 de outubro de 1929 em Lourenço Marques (atualmente Maputo). A paixão pelo futebol manifestou-se na infância e foi na filial moçambicana do Benfica, o Desportivo de Lourenço Marques, que começou a mostrar o seu talento e a crescer o seu amor pelos encarnados. Só que, ironia do destino, foi o Sporting que o contratou em 1949 para substituir Fernando Peyroteo, o mítico goleador dos famosos Cinco Violinos..Chegou a Lisboa acompanhado por Juca - outra das grandes figuras leoninas já desaparecido - após uma viagem a bordo do barco Mouzinho de Albuquerque que durou um mês. "Naquela equipa dos Cinco Violinos até um coxo marcava golos", disse alguns anos mais tarde sobre a sua passagem pelo Sporting. Mário Wilson era avançado e fez cinco hat-tricks na primeira época de leão ao peito, mas um dia foi desafiado para jogar como defesa-central por causa da lesão de um companheiro. Nem pestanejou. Jogou, brilhou e ali ficou para sempre..Além de jogar futebol, em Lisboa, Wilson também estudava, seguindo a recomendação do pai, que lhe dizia que o futebol era coisa passageira. Foi por querer continuar os estudos que, após duas épocas no Sporting, se mudou para Coimbra. Não foi uma transferência pacífica e obrigou até a uma cunha do ministro da educação da altura por forma a que fosse ultrapassada a rigorosa Lei de Opção a que estavam obrigados os futebolistas..Na Académica, Mário Wilson tornou-se uma figura de proa, não só pelo que jogava, mas também pela luta que protagonizou contra o regime fascista, onde sempre exerceu uma grande influência por ser o capitão de equipa. Em Coimbra ganhou a alcunha de Velho Capitão por ter usado a braçadeira durante muitos anos. Nos últimos anos como jogador, na Briosa, acumulou o cargo de treinador adjunto do seu mestre, Cândido de Oliveira. Depois de pendurar as chuteiras, continuou no cago de adjunto de vários técnicos, o último dos quais José Maria Pedroto, com que mais tarde teve guerras que ficaram célebres. "O Pedroto era intratável. Tinha atitudes que roçavam o racismo", disse numa entrevista ao jornal A Bola..Enquanto treinador descobriu Toni na Anadia. "Foi ele que me levou para a Académica e a partir daí nasceu um enorme respeito e uma amizade forte, que o levou a chamar-me irmão branco", contou o antigo jogador e treinador do Benfica, com a voz trémula. "Foi o meu segundo pai", acrescentou, destacando "o homem culto e um líder que vivia o futebol com uma grande intensidade". Toni recordou ainda uma das últimas conversas que teve com Mário Wilson: "Foram 30 segundos ao telefone e, sabendo que eu tinha tido um dia mau, apenas disse algo que era habitual: "Toni, Toni, Toni"... Só isso encheu-me a alma. Já sentia nessa altura que era irreversível, ele estava no fim.".Enquanto treinador foi marcante para clubes como o Belenenses, V. Guimarães e Benfica, onde reencontrou Toni, e onde se tornou o primeiro técnico português campeão nacional..Boas memórias de Mário Wilson.Foram muitos os que privaram com Mário Wilson e que para sempre vão recordar o Velho Capitão. Um deles foi o ex-internacional brasileiro Ricardo Gomes. Com a voz emocionada, o antigo jogador do Benfica fez questão de recordar "o agregador de balneários".."Era uma pessoa simples, de grande coração. Um símbolo do Benfica, do ser benfiquista, foi isso que me ensinaram e que depois acabei por ver. Vencemos uma Taça, contra o Sporting, e lembro-me da forma que ele uniu o grupo para conseguirmos vencer o Sporting. Fez ver-nos o que era o Benfica, o que era vencer pelo Benfica, sobretudo aos mais novos. Desde que tomou conta da equipa, depois de sair Artur Jorge [1995/1996], acabou por unir mais o grupo, era um agregador de balneários. Um homem bom e um grande treinador", salientou Ricardo Gomes ao DN..Quem também fez questão de recordar o "amigo" Mário Wilson foi José Augusto, ex-jogador dos encarnados por Portugal. "Era um filósofo do futebol. Uma pessoa que todos amavam e que deixará uma marca no futebol português, não só no Benfica. As palavras são poucas para descrevê-lo como pessoa. Tinha um discurso muito fácil e uma paciência como poucos tinham no mundo do futebol, todos vamos sentir muito a sua falta", referiu..Também Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, não se esquece do Velho Capitão nesta hora de dor. "Uma figura ímpar do Sport Lisboa e Benfica e do futebol português e uma enorme perda para toda a família benfiquista e para a lusofonia. Um ser humano com um coração tão grande nunca nos devia deixar. Razão pelo qual permanecerá sempre na nossa memória como um caso raro de entrega e paixão ao fenómeno desportivo. Pela sua humildade e disponibilidade para o próximo será sempre um exemplo", disse o presidente dos encarnados..Bruno de Carvalho, presidente do Sporting, recordou o "cavalheiro" que "alcançou o topo", Fernando Gomes, líder da FPF, destacou as "suas inegáveis qualidades humanas" e Paulo Almeida, presidente da Académica", disse que a Briosa ficou "mais frágil e pobre".