País
22 outubro 2019 às 12h45

Bofetada vai custar 680 euros a agente da PSP

O Tribunal de Relação de Lisboa confirmou a sentença do agente da PSP Vítor Bárcia, condenado há um ano a pagar uma multa de 680 euros por ter dado uma estalada a um jovem e mentido em tribunal.

Grisa Iosif Luchian, de 20 anos, melhor aluno da sua turma quando frequentou o Agrupamento de Escolas de Alfornelos, passeava na sua bicicleta, em plena luz do dia, numa rua da Amadora. Atirou uma beata de cigarro para o chão e, nesse momento, foi parado por um grupo de quatro agentes fardados da PSP.

Um dos polícias, Vítor Bárcia, na altura (2016) com 27 anos, que prestava serviço na Esquadra de Alfragide, no comando da Amadora, "sem que qualquer motivo o justificasse, desferiu uma chapada, de mão aberta, na face esquerda" de Grisa.

Esta foi a versão que o tribunal da Amadora considerou verdadeira e por isso, no dia cinco de abril de 2018, condenou o agente Bárcia a uma pena de prisão de três meses, convertida em 680 euros de multa, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada.

O polícia recorreu da sentença da chapada, mas o Tribunal de Relação de Lisboa concordou com a condenação das magistrados da Amadora.

O agente em causa foi condenado já este ano, noutro processo, a dois anos e oito meses de prisão - suspensos por dois anos - por ter agredido violentamente um homem, em 2015 durante o trajeto para a esquadra e depois nas instalações policiais. E a pagar dez mil euros de indemnização à vítima.

Decisão "não foi leviana"

"Este Tribunal não encontra qualquer erro de julgamento, seja na interpretação e valoração da prova (...) seja no juízo formulado quanto à sua adequação e suficiência para sustentar os factos em causa", escrevem os juízes desembargadores no Acórdão de Tribunal de Relação, a que o DN teve acesso.

O Tribunal considera que a decisão da primeira instância "não foi leviana" e que "teve subjacente juízo, aliás de inexcedível clareza e detalhe, absolutamente razoável (...), assentando em elementos que adequada e suficientemente a justificam".

Por isso, assinalam os desembargadores, "não pode ter acolhimento, em quaisquer termos ou medida, a impugnação do recorrente, pelo que, e na patente inverificação (...) de qualquer vício (...) a matéria de facto se mostra em definitivo fixada e insidicável".

Atitude provocatória, diz o polícia

Na versão de Bárcia, corroborada no julgamento pelos outros três polícias que constituíam a sua patrulha, quando foi abordado, Grisa "apresentou uma atitude provocatória e agressiva, encostando a cabeça à sua, razão pela qual, apenas no intuito de o afastar e de salvaguardar a sua segurança e integridade física, lhe desferiu um empurrão na zona da face". Negou ter dado "uma chapada, de mão aberta, na face do queixoso".

Mas, diz a sentença do Tribunal da Amadora, "a verdade é que" esta versão, "suportada e corroborada" pelos outros agentes, "não nos logrou convencer porque inverosímil e contrariada de forma séria, genuína objetiva, pelo relato apresentado pelo queixoso e pelas demais testemunhas inquiridas em sede de julgamento que nos garantiram estar presentes num local próximo da ocorrência e, por isso, assistido, no essencial, ao contacto mantido por ambos".

Escrevem os juízes que, "atendendo à conjugação dos depoimentos prestados por Grisa Iosif Luchian" e das quatro testemunhas que assistiram ao incidente, "demos como assente, fora de qualquer dúvida, que o arguido, na sequência de uma abordagem policial efetuada ao queixoso, quando se encontrava acompanhado de, pelo menos, três outros elementos policiais, desferiu uma chapada, de mão aberta, na face esquerda de Grisa Iosif Luchian".

"Relato forçado", diz o Tribunal

Para o Tribunal da Amadora a forma como Grisa e as testemunhas descreveram o sucedido "confere ainda maior credibilidade, objetividade e naturalidade aos seus depoimentos, pois que a versão que apresentaram não foi estudada ou inventada".

Grisa apresentou-se em audiência de julgamento "com uma postura correta, depondo com seriedade e segurança".

Em contrapartida, da parte dos polícias "o Tribunal sentiu os depoimentos das testemunhas arroladas pelo arguido com uma certeza exagerada, com pormenores muito coincidentes, num relato algo forçado e, por isso, próprio de quem quer convencer de uma realidade que não ocorreu".

É ainda sublinhado que "a postura corporal, os silêncios e concreta verbalização do discurso apresentado pelas testemunhas de defesa, não foi de molde a convencer o Tribunal da realidade por si relatada".

Para os juízes "não faz sentido que um indivíduo de cerca de 20 anos, com a compleição física do queixoso e que foi diretamente constatada pelo tribunal em sede de audiência de julgamento, fosse ter a conduta em causa para com um agente da polícia, desafiando-o e procurando com o mesmo ter contacto físico, quando se encontravam presentes no local pelo menos três outros agentes da autoridade (para além daqueles que chegaram ao local na carrinha policial) e que, naturalmente, nessa sequência, poderiam atuar e detê-lo".

Conduta "inaceitável" e "alarme social"

Os magistrados lamentam que, na altura do julgamento, cerca de dois anos depois do incidente, o agente da PSP, cuja conduta consideram "inaceitável" e causadora de "alarme social", não se tenha mostrado arrependido.

A localização geográfica do incidente também foi tida em conta na censura dos magistrados. O tribunal entendeu que o agente Vítor Bárcia não podia "desconhecer" que a sua atitude, desde logo na área da comarca de Amadora, onde a intervenção policial tem um papel preponderante, suscitava "forte reprovação e desvalor social".

Questionada pelo DN sobre a situação presente do agente, a direção nacional da PSP informou que o agente "está colocado na Divisão do Seixal mas há um ano e meio que está de baixa médica, devido a acidente de serviço".

Acrescenta ainda que Vítor Bárcia é alvo de dois processos disciplinares relativos a ambos os casos na sequência dos quais foi condenado. O processo relacionado com a bofetada "ainda aguarda que o Tribunal indique a data do trânsito em julgado, para que seja deduzida a acusação disciplinar". Quanto ao caso das agressões na carrinha, "o agente recorreu da decisão judicial para o Tribunal de Relação".

No mesmo ano de 2015 em que Bárcia agrediu o homem na carrinha, facto pelo qual foi condenado, na sua esquadra de Alfragide, seis jovens da Cova da Moura foram violentamente espancados e humilhados. Levou, recorde-se, à acusação de 18 polícias dessa esquadra e à condenação no Tribunal de Sintra, de oito deles.

Atualizado às 12h50 com a resposta da PSP