Imagine que vai de viagem para um país da União Europeia e que tem necessidade de recorrer a uma unidade de saúde ou de realizar um exame e que, de imediato, essa unidade tem acesso ao seu historial clínico para assim poder tratá-lo melhor? Ou então que pode viajar com uma app no seu telemóvel que fala uma "linguagem informática" europeia e que você mesmo pode fazer a transferência dos seus dados para a unidade a que acorreu ou receber no seu telefone os resultados de exames ou da alta clínica, se for caso disso..Mas há mais. Imagine que é emigrante num país da UE e que tem um problema de saúde e quer vir tratar-se a Portugal, mas não o faz ou tem mais dificuldade na transferência e até no tratamento pela dificuldade que a nova unidade tem em aceder à sua informação clínica, como exames, diagnósticos e outros resultados de procedimentos. .Só que todas estas barreiras poderão ser eliminadas, permitindo que no espaço europeu haja maior facilidade na integração e na continuidade dos cuidados. Este é o objetivo do instituto universitário português ISCTE que está a criar um macrossistema informático que irá colocar todos os sistemas de unidades de saúde, do setor público, privado e social, de todos os Estados-membros a falar a mesma linguagem..Um objetivo que está associado ao facto de a Comissão Europeia ter adjudicado ao ISCTE - Conhecimento e Inovação a liderança de um consórcio europeu de 26 entidades, que reúne universidades, hospitais, empresas e os "mais conceituados especialistas europeus em dados de saúde"..O grupo reuniu esta semana, pela primeira vez, em Lisboa, de forma presencial, e segundo o coordenador do projeto, Henrique Martins, professor e investigador do ISCTE, reúne os "mais conceituados especialistas europeus em dados de saúde", que vão criar um "ambiente de interoperabilidade sustentável e escalável em toda a UE"..O projeto, o XpanDH - Expanding Digital Health through a pan-European EHRxF-based Ecosystem, tem uma verba inicial de dois milhões de euros e um prazo de dois anos para avançar, se é suficiente ou não o futuro o dirá, mas o objetivo subjacente será sempre "ajudar a criar condições para que os cidadãos e as organizações de saúde possam partilhar melhor dados de saúde, não só entre os países da UE, mas também entre os sistemas nacionais de saúde e os diferentes operadores privados e do setor social" de cada país..O professor e investigador do ISCTE especifica: "Há sistemas informáticos que não comunicam uns com os outros porque, para o fazerem, é preciso que tenham um canal e uma linguagem comum, e é exatamente isso que vamos tentar trabalhar. No fundo, é definir regras iguais para todos. O nosso grande desafio vai ser expandir esta linguagem e fazer com que cada vez mais unidades e pessoas a utilizem", acrescentando: "Esta linguagem irá criar um macrossistema europeu que permitirá às unidades de saúde de todos os Estados-membros funcionar em rede de forma mais automática.".Em Portugal, o Centro Hospitalar Universitário de Santo António, no Porto, é uma das unidades de saúde que irá testar este formato em tempo real. "É um dos parceiros formais do projeto e vai estar na linha da frente a fazer experimentação e demonstrações. Vai começar a experimentar a apresentação das notas de alta clínica na app do hospital. Mas temos outras unidades de saúde envolvidas neste projeto, um hospital em Itália e uma rede de hospitais na Grécia. A nossa ideia é convencer outros hospitais a fazerem o mesmo.".Henrique Martins reforça a ideia de que o objetivo último deste projeto "é a integração e a continuidade dos cuidados". Ou seja, "sempre que as pessoas saem de um hospital público e vão para um hospital privado ou vice-versa, mesmo dentro do próprio país, muitas vezes há descontinuidade de cuidados porque a informação não é partilhada. Mas dentro de um país podemos criar um sistema de comunicação a nível nacional, mas a nível europeu temos que ter outras regras, mais abrangentes, para se poder fazer isso". Na prática, "é um projeto que vai procurar soluções digitais para que todas as unidades e sistemas de saúde europeus funcionem de igual forma, independentemente da língua e do pais"..O professor do ISCTE salientou ainda que "a chegada do projeto XpanDH surge num momento único para a UE, uma vez que os Estados-membros já estabeleceram bases comuns de trabalho para uma melhor interoperabilidade na área da saúde digital". No final, os 26 parceiros europeus envolvidos no projeto vão propor a Bruxelas um novo "ecossistema de ligação" entre os sistemas informáticos das instituições de saúde europeias, como hospitais, centros de saúde, laboratórios e registos nacionais..Recorde-se que a criação deste grupo e o objetivo de colocar a Europa a falar "uma só linguagem em termos de sistemas informáticos na Saúde" está inscrito no Regulamento do Espaço Europeu de Dados de Saúde, em que o artigo 6.º prevê a criação e a formalização deste grupo europeu desde maio de 2022, quando a Comissão Europeia avançou com uma proposta para que até 2025 seja criada uma base de dados para acesso ao historial médico em toda a UE, estando já nesta a indicação de que o foco era "o acompanhamento e tratamento de doentes fora do país"..Nesta altura, a Comissão Europeia justificava mesmo a medida com os gastos, dando a conhecer que dos 14 mil milhões de euros gastos anualmente em exames médicos cerca de 10% são gastos em procedimentos que são realizados desnecessariamente, muitas vezes repetindo o que já foi feito em outros locais, estimando que, em 10 anos, seja possível poupar 5,5 mil milhões de euros em melhor acesso e intercâmbio de dados de saúde". O XpanDH é um projeto que integra o Horizon Europe, programa para o financiamento da investigação e da inovação na UE.