Do mundo das artes de Washington para Lisboa. Retrato de uma embaixadora

Descrita pela Casa Branca como uma "líder da diplomacia cultural", Randi Charno Levine chega brevemente a Portugal. A filantropa, que foi comissária da Smithsonian National Portrait Gallery, será apenas a segunda mulher a liderar a Missão dos Estados Unidos em Portugal.

Garantir a segurança dos americanos em Portugal, aprofundar a relação económica e trabalhar em conjunto para resolver desafios existenciais comuns - destacando "qualquer desafio significativo que a República Popular da China coloque à nossa segurança nacional" e as "atividades desestabilizadoras da Rússia". Foram estas as três prioridades que Randi Charno Levine traçou na sua audição no Senado que lhe valeu a confirmação como embaixadora dos Estados Unidos em Portugal. A filantropa e diplomata cultural, que até há pouco desempenhava o cargo de comissária e membro do Comité Executivo para Projetos Especiais na Smithsonian National Portrait Gallery, em Washington, chegará em breve a Lisboa para se tornar na segunda mulher a liderar a representação diplomática dos EUA na capital portuguesa. Com esta escolha, o presidente Joe Biden segue a tradição de Lisboa ter um embaixador de nomeação presidencial e não um diplomata de carreira.

Apresentada pela Casa Branca como "uma defensora das artes e líder da diplomacia cultural", Levine sucede a George Glass, o embaixador nomeado por Donald Trump e que deixou a embaixada após a saída do presidente republicano, em janeiro de 2021. Desde então, a encarregada de negócios Kristin Kane desempenha as mais altas funções diplomáticas da América em Portugal. E é a uma embaixada muito no feminino que Levine se juntará agora. Mesmo se é apenas a segunda mulher a ocupar o cargo, depois de Elizabeth Bagley, que entre 1994 e 1997 foi embaixadora dos EUA em Portugal, na presidência de Bill Clinton.

Destacando o papel da família, desde o avô Joe, que no início do século XX deixou a Polónia e se instalou em Brooklyn, o bairro nova-iorquino onde o pai, Eddy Charno, teve uma farmácia, passando pelo marido, Jeff - presidente e fundador da empresa de construção Douglaston Development e presidente do Jewish National Fund-USA Board -, os filhos, Ben, Jessica e Dara, bem como os respetivos cônjuges, e sem esquecer os netos, Eli e Orly, Levine garantiu na sua audição no Senado ir fazer o seu melhor para "servir o nosso grande país e liderar a Missão dos EUA num dos nossos parceiros mais fiáveis". Os Levine, que segundo os media americanos dividem o tempos entre Manhattan, Washington e o Arizona, foram importantes doadores de fundo para a campanha do democrata Joe Biden para as presidenciais de 2020.

A nova embaixadora sublinhou a longa relação que existe entre os dois países, recordando que Portugal tem "sido um forte parceiro dos Estados Unidos há mais de 200 anos e esteve entre os primeiros países a reconhecer a independência dos EUA." Levine não esquece também o facto de o consulado americano nos Açores ser o mais antigo no mundo em funcionamento contínuo. E também ele dirigido por uma mulher - a cônsul Kathryn Hammond, que em julho de 2020, por altura dos 225 anos da abertura daquela representação diplomática, dizia em entrevista ao DN: "Nunca deixei de pensar como, quando este consulado abriu pela primeira vez, Thomas Jefferson era o nosso secretário de Estado, George Washington era presidente."

Um lugar que quase foi de John Quincy Adams

Ora também Randi Charno Levine vem ocupar um lugar que esteve quase para ser de um futuro presidente norte-americano. De facto, John Quincy Adams chegou a ser nomeado por George Washington, em 1796, para servir na embaixada em Lisboa. Mas se o seu retrato consta na galeria dos antigos embaixadores, aquele que mais tarde seria o sexto presidente dos EUA nunca chegou a servir em Portugal. Quando foi escolhido para embaixador - na altura, dizia-se ministro -, o pai, John Adams, tinha sido eleito presidente. Foi o segundo na história da república, sucedendo a George Washington. Em vez de viajar para Lisboa, o jovem Adams, na altura com 30 anos, recebeu uma carta do pai a pedir-lhe para aguardar novas instruções. Em novembro de 1797, foi nomeado embaixador na Prússia e partiu para Berlim, onde passou quatro anos. Louisa, a mulher inglesa de Quincy Adams, já tinha despachado mobília, livros e roupa para Lisboa, mas a coisa resolveu-se.

Talvez a pensar nesta história comum, Levine lembrou ainda no Senado que a parceria entre Portugal e os Estados Unidos "se constrói em torno de valores comuns: um compromisso com os direitos humanos, a democracia e o Estado de Direito". E não deixou de destacar que enquanto membro fundador da NATO, Portugal é "essencial no reforço das nossas relações transatlânticas e na defesa contra influências malignas na região". A nova embaixadora destacou o empenho português no envio de tropas para o estrangeiro no âmbito de missões da NATO, União Europeia ou Nações Unidas. E não podia deixar de referir a Base das Lajes, "um importante posto avançado para a paz e segurança transatlânticas".

Formada em Jornalismo na universidade de Missouri-Columbia, como comissária da Smithsonian National Portrait Gallery, em Washington, Levine ajudou a organizar e expandir a coleção permanente do museu, presidiu à gala Portrait of a Nation em 2019 e revitalizou o programa de parcerias empresariais do museu. Foi ainda administradora do Meridian International Center, também na capital federal, presidiu ao Meridian Center for Cultural Diplomacy, orientou e liderou os programas de intercâmbio internacional, bem como o desenvolvimento de exposições, e parcerias estratégicas e comerciais. Também foi administradora do New Museum em Nova Iorque e membro do Conselho Artemis, onde apoiou a diversidade e igualdade para as mulheres nas artes.

O legado de Frank Carlucci

O primeiro embaixador dos Estados Unidos em Portugal foi David Humphreys, um oficial que se destacara na Guerra da Independência e que apresentou credenciais em Lisboa em 1791. Mas um dos mais destacados na longa lista de nomes que serviram em Portugal foi Frank Carlucci. Nomeado por Gerald Ford, Carlucci chega a Portugal em janeiro de 1975, em pleno período revolucionário. Naquele Verão Quente, era então Henry Kissinger secretário de Estado, Carlucci desenvolveu o que apelidaria de "cumplicidade estratégica" com Mário Soares, trabalhando em conjunto para travar os comunistas e manter Portugal na aliança ocidental. Em 2019, o embaixador George Glass decidiu mesmo rebatizar a residência oficial dos embaixadores americanos em Lisboa de Casa Carlucci. E organizou o regresso a Lisboa de Marcia Carlucci, a viúva daquele que depois de regressar aos EUA foi secretário da Defesa de Ronald Reagan. Emocionada, esta contou como naqueles anos em Portugal, ela percorria o país num pequeno Fiat e contava ao marido o que via e ouvia enquanto ele se reunia com políticos, militares, personalidades da Igreja Católica também, para perceber como evoluía a sociedade portuguesa; e, sobretudo, ajudar a esquerda moderada a afirmar-se, pois percebeu ser essa a única opção na época, num país saído há pouco de uma ditadura de direita.

Nos últimos anos, um dos mais mediáticos embaixadores foi Robert Sherman, cujos vídeos de apoio à seleção portuguesa no Euro 2016 o tornaram conhecido de quase todos os portugueses. Nomeado por Barack Obama, o advogado de Boston viu mesmo a equipa nacional oferecer-lhe uma camisola com as assinaturas de todos os jogadores - camisola essa com que posou ao lado da agora primeira-dama Jill Biden, durante uma passagem desta por Lisboa há sete anos. No início de 2021, um dia depois da posse de Joe Biden como presidente, Sherman partilhava a imagem desse momento no Facebook, confessando dias depois ao DN ter saudades de Portugal. "Sinto falta das pessoas", dizia numa troca de mensagens.

A "herança" de Sherman foi tal que, numa entrevista ao DN antes do Mundial de 2018, George Glass, conhecido fã de futebol americano, brincava com a dificuldade de manter esta espécie de nova tradição iniciada pelo antecessor. E afirmava: "Não sei se consigo ser um líder de claque tão animado como foi o meu antecessor, mas estou entusiasmado."

Com o Mundial do Qatar quase a chegar, a ver vamos se a nova embaixadora segue as pisadas dos antecessores. Mesmo sendo uma mulher das artes. Com experiência comprovada no desenvolvimento de relações com stakeholders internacionais, na promoção da diplomacia interpessoal, e no desenvolvimento de iniciativas de diplomacia educacional, cultural e científica, Levine foi membro do Friends of the Costume Institute do Metropolitan Museum of Art, membro do conselho do FACES no Comprehensive Epilepsy Center da Universidade de Nova Iorque e membro fundador do High Line Council. Há dois anos publicou o seu primeiro livro infantil Princess Orlita, the Curious Princess.

Ainda na audição no Senado, a nova embaixadora garantiu estar ansiosa por "trabalhar para reforçar a nossa parceria com Portugal", lembrando ainda que "a colaboração de Portugal com os países lusófonos de África oferece à aliança transatlântica uma oportunidade para realçar a segurança regional e promover a prosperidade mútua no Atlântico Sul."

helena.r.tecedeiro@dn.pt

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