Miguel SzymanskiCrónica de um adeus anunciado: chanceler Merkel sai de cenaAngela Merkel anuncia o abandono do palco político, mas esclarece que sairá devagar para ninguém se magoar. Primeiro, deixará de ser chefe do partido, a CDU, em dezembro. Mais tarde, em 2021, não se recandidatará a chanceler. É uma saída ponderada, como tudo o que a senhora faz. Uma saída a prestações para evitar a instabilidade do país. Na sua lápide política poder-se-ia martelar na pedra a inscrição: ponderada mas sem alma, deixa milhões de órfãos sem saber o que fazer ao seu voto. A maioria na Alemanha gostava de Merkel, a avaliar pelos resultados em quatro eleições sucessivas e pelo carinho da alcunha invulgar para um líder político: "Mutti", mãezinha. Ninguém imagina alguém chamar à antiga chefe de governo da Índia, Indira Gandhi, ou a Margaret Thatcher "Mama" ou "Mum". A chanceler opta por sair de cena devagar para não desestabilizar o sistema político e o seu país. Mas há uma má notícia para o seu legado: a Alemanha e a União Europeia não podiam estar politicamente mais instáveis. Nunca um chefe de governo na história do pós-guerra pegou numa Alemanha e numa UE tão equilibradas para as entregar, à saída, tão caóticas e imprevisíveis. Quando Merkel subiu ao poder não havia crise na zona euro, crise que a inflexibilidade alemã levou aos extremos que agora vemos na Grécia ou em Itália (onde a chanceler alemã é uma figura odiada), uma em situação de falência iminente numa deriva de esquerda radical, a outra esmagada por dívidas e a cair no neofascismo, ambas antieuropeias até à espinal medula. Em Portugal, apesar de todo o marketing político e do frenético agitar de putativas bandeiras de sucesso, a situação não é muito diferente. Não havia, quando Merkel subiu ao poder, crise de refugiados que, com a inflexibilidade alemã, levou os países da zona central e de leste da União Europeia a dar uma guinada para a extrema-direita e hostilizar a Alemanha e Bruxelas, a capital da UE, cada vez mais sentida como braço executante de Berlim. Economicamente as coisas hoje até correm bem para os alemães, dentro de uma estratégia "a Alemanha acima de todos os outros países da União Europeia e gerida como uma mercearia". Correm bem, se não tivermos em conta as grandes ameaças ao virar da esquina, como as sanções dos EUA, a ameaça de declínio da indústria automóvel, os défices de investimento público em infraestruturas, a crescente desigualdade social ou a dependência das exportações. Facto: Angela Merkel não conseguiu segurar as rédeas da UE e impediu que o presidente francês o fizesse. Facto: Nunca esteve à altura de se tornar a nova líder do chamado "mundo livre", como Obama precipitadamente a aclamou (eventualmente porque esse mundo livre está em retrocesso, se é que alguma vez existiu). A questão agora é: Quem suceder a Merkel como líder da CDU e chanceler (não necessariamente uma só pessoa como nos últimos 13 anos) estará à altura destes desafios, que, sabemo-lo agora, foram todos demasiado grandes para a atual chanceler? Annegret Kramp-Karrenbauer, um nome que derrete na língua de qualquer eleitor ao centro, humanista e tolerante, com as suas políticas sociais e a sua abertura à esquerda, é a sucessora que Merkel desejaria ver no seu lugar. Há indícios, no entanto, que isso não acontecerá. A CDU sabe que tem perdido votos para a AfD, a extrema-direita, à custa dos muitos eleitores que foram abandonando um partido marcado, nas duas últimas décadas, pelo espírito aberto com que Merkel encarou a evolução da sociedade em assuntos como a imigração (wir schaffen das, nós conseguimos), a religião ou os direitos de minorias (por exemplo, o casamento gay). Essa CDU, a tradicional e conservadora, exige uma clara viragem à direita. E o SPD, se ainda não tiver desaparecido até lá, agradece, já que Merkel nunca hesitou em arrancar-lhe as bandeiras políticas da mão, deixando-o como um João Pateta a puxar um cordel vazio, sem porco na ponta. Favorito na corrida à sucessão de Merkel é um candidato que ameaça ser a última série de machadadas no projeto da União Europeia e para a estabilidade geopolítica no continente Europeu: Friedrich Merz. Claro, há mais candidatos, como Jens Spahn, atual ministro da Saúde do governo de Merkel, ou Armin Laschet, presidente de NRW (Renânia do Norte-Vestfália). Mas o primeiro não terá grandes hipóteses: os eleitores da CDU não têm nem uma visão da sociedade tolerante como a de Os Verdes nem são estruturalmente liberais como os do FDP. Dificilmente votarão num político que assumiu a sua homossexualidade e no ano passado casou com o seu companheiro. Mais: Spahn é a favor da adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Quanto ao segundo, Laschet, é um conservador à antiga, mas faltam-lhe os apoios de peso que Merz tem (o jornal Bild, com a maior tiragem da Alemanha, ou Wolfgang Schäuble, ainda o peso mais pesado da CDU) e a componente nacionalista para ir ao encontro dos anseios dos eleitores de uma CDU que pretende munir-se contra a deserção de eleitores para a extrema-direita saudosista. Essa faceta nacionalista tem-na obviamente Friedrich Merz. Não por ter sido ele quem no início dos anos Zero lançou no grande palco o debate sobre a deutsche Leitkultur, a "liderança da cultura alemã", em bicos de pés, como farol da civilização ocidental face a outras civilizações que Merz considera aparentemente inferiores - ou até indesejáveis. Independentemente de medidas políticas e legislativas concretas para assegurar o desejável cumprimento dos princípios constitucionais, a escolha de palavras revela o programa de Merz: deutsche Leitkultur é uma expressão a transbordar de arrogância e a evocar memórias de megalomania germânica. Merz trabalha há 16 anos como um lobista da Wall Street, a praça financeira de Nova Iorque, é presidente na Alemanha da maior gestora de fortunas do mundo, a Black Rock, é dirigente de várias associações ligadas ao poder político de Washington, como a Trilateral e a "Ponte Atlântica" com estreitas ligações às estruturas militares dos Estados Unidos. Politicamente a fórmula deverá resumir-se a isto: Annegret Kramp-Karrenbauer posicionará a CDU como partido do centro, deixando pouco espaço ao que resta do SPD e a roubar-lhe eleitores; Friedrich Merz tentará a espargata política de uma CDU ao centro, economicamente liberal, bem demarcada do SPD e de Os Verdes, mas com as fronteiras fluidas à extrema-direita, para recuperar eleitores que desertaram para irem engrossar as fileiras da Alternative für Deutschland (AfD) com os seus cânticos de nostalgia de uma Alemanha grande e mais "pura". No plano internacional, Merz é um candidato que, se tiver sucesso, irá posicionar a Alemanha novamente como sucursal obediente de Washington, enquanto Kramp-Karrenbauer, se ganhar ela a corrida, terá a difícil tarefa de encontrar um papel de relevo para a Alemanha - sem a transformar num satélite de Moscovo.
Miguel SzymanskiEuropa: a bela e o monstroA Europa faz atualmente lembrar uma história clássica de amor na literatura moderna: um homem casa-se com uma mulher doce e bonita que um dia desaparece dentro de uma gorda maldisposta. Para ser politicamente correto, acrescente-se que com igual frequência homens atenciosos e apessoados caem em barris de cerveja no sofá em frente à televisão para nunca mais voltarem a ser vistos.
Miguel SzymanskiPolíticos e a perda de poderTanto faz olhar para um Mugabe ou para Merkel. O poder vicia quem o exerce. Largá-lo é um processo penoso. "Nenhuma despedida é tão difícil com a despedida do poder" dizia o aristocrata, bispo, ministro e diplomata francês Talleyrand e esse devia sabê-lo: teve tempo para observar muita gente à sua volta que perdeu o poder. Talleyrand exerceu cargos em muitos regimes na sua vida política, desde o clero antes da revolução francesa (chegou a ser ordenado bispo) até ao reinado de Louis-Philippe, passando pela revolução e Napoleão (que lhe chamou um "merdas em meias de seda" quando se apercebeu de que Talleyrand mantinha contactos secretos com a Rússia). Mas não é necessário ser-se um Talleyrand e sobreviver a meia dúzia de regimes para se perceber a dificuldade que é um poderoso largar o seu lugar. Ao ponto de muitos políticos e governantes da atualidade se sentirem tentados a agir como Napoleão e voltar do exílio para retomar as rédeas do seu "império".
OpiniãoUm primeiro-ministro das ArábiasHá várias receitas para lidar com o sobre-endividamento do Estado, mas só uma faz milagres. Portugal continua a ser o sexto país mais endividado do planeta. É também aquele onde as desigualdades sociais são mais acentuadas entre as economias ocidentais. O mero pagamento dos juros da dívida pública consome anualmente mais do que todo o atual sistema público de ensino - sistema que por isso anda à beira do colapso por falta de meios.
OpiniãoA agenda alemã e as invasões bárbarasE tudo fica igual em Portugal depois das eleições na Alemanha? Não. Tudo vai mudar para a União Europeia e, por tabela, para Portugal.
Opinião"Fake news" e mentiras à portuguesaAs fake news não foram inventadas pelas rede sociais, nem pelos serviços de propaganda russos ou presidentes norte-americanos. Cada povo tem a sua tradição de falsas notícias. Famosa, porque tão reveladora, a história de fake news de Marcelo Rebelo de Sousa, que, para colocar notícias falsas na imprensa, terá enganado Paulo Portas - afirma este - com um jantar e conversas confidenciais inventadas.
Miguel SzymanskiBurocracia à portuguesaViver em Portugal é muitas vezes um exercício de masoquismo. Quando se tem de tratar de um assunto com o Estado, o português, já se sabe que vai sofrer. Olha-se para a cara atrás do guiché e percebe-se que, na maioria dos casos, o funcionário está ali pouco satisfeito por ter de aturar esses seres incomodativos com a mania de formar filas em frente ao seu local de trabalho.