João César das Neves

João César das Neves

O escândalo e o dogma

Esta é, sem dúvida, a época com mais escândalos sexuais da história da humanidade. O movimento #Me Too, de denúncia de violência e assédio nascido em Outubro de 2017, a partir do caso do produtor de cinema americano Harvey Weinstein, tem gerado uma crescente enxurrada de acusações nos lugares mais altos e diversos da sociedade e política. É já difícil enumerar todas as personagens célebres e influentes, de todos os campos de actividade, que perderam carreira e reputação devido a esta dinâmica. Se acrescentarmos as imparáveis notícias de pedofilia na Igreja Católica, que não cessam há mais de 20 anos, fica evidente a dimensão inusitada da indignação pública nestes temas. Os crimes são gravíssimos e os efeitos devastadores. Por isso, nunca como hoje nos ofendemos tanto por questões do foro íntimo.

João César das Neves

O feiticeiro de Oz

Dorothy Lusitânia vivia num lindo jardim à beira-mar plantado, com os seus tios e o cãozinho Totó. Um dia um grande ciclone, chamado Troika, arrancou a casa, com a rapariga e o cão, e levou-os até à maravilhosa Terra de Oz. Quando a casa pousou, esmagou a Bruxa Má do Oeste, chamada Crise, e todos aclamaram Dorothy como salvadora. A jovem agradeceu o acolhimento, mas disse que só queria voltar para o seu jardim e os seus tios, para ser tudo como era antes da troika.

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João César das Neves

Big Brother telefonou

No caminho para o totalitarismo digital, o dia 2 de Agosto de 2018 marca um passo importante. Nessa data, pela primeira vez, o Estado arrogou-se o direito de enviar mensagens telefónicas (sms) a todas as pessoas em determinadas zonas. Os objectivos eram muito louváveis (são sempre) e a generalidade da população até se divertiu com o procedimento, mas subiu imperceptivelmente o poder de controlo público sobre as nossas vidas.

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Bilionários populares

Porque é que as pessoas votam em bilionários? Donald Trump é apenas o caso mais recente de uma tradição que inclui, só nos últimos anos, Silvio Berlusconi na Itália, Petro Poroshenko na Ucrânia, Thaksin Shinawatra na Tailândia, Sebastián Piñera no Chile, Najib Mikati e Rafic Hariri no Líbano, Andrej Babiš na República Checa, Bidzina Ivanishvili na Geórgia e vários outros. Dado que a política é continuamente assombrada por suspeita de relações entre ministros e negócios, como podem os eleitores escolher empresários para políticos? A resposta é simples e inclui dois elementos.

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Exploração e materialismo

Os direitos dos trabalhadores, sobretudo mais jovens, estão em perigo com a transformação económica. Grande parte dos novos empregos, criados por apps na chamada "gig economy" da Uber, da Airbnb, da TaskRabbit, etc., são temporários, contingentes, precários, mal pagos e sem garantias. O mundo ficou chocado com a descrição das condições laborais no armazém da multinacional Amazon em Tilbury, Essex, na reportagem do Sunday Mirror de Londres, publicada a 27 de Novembro do ano passado, depois de o jornalista Alan Selby lá ter trabalhado cinco semanas. Entretanto, muitos empregos são perdidos para países pobres, onde nas sweatshops se opera em circunstâncias aviltantes. Sempre houve exploração, mas estamos a entrar numa nova realidade, revivendo no mundo digital as piores condições do século XIX.

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O avesso e a sublime

Vemos a realidade do avesso. Os acontecimentos que marcam e fazem a actualidade são reais, mas distorcidos e confusos, como o fundo de uma tapeçaria. O seu significado só surgirá quando olharmos do outro lado, vendo o desenho da realidade como foi concebido. O recuo do tempo permite vislumbrar essa diferença, pois, com o passar dos anos, vamos entendendo a dinâmica oculta aos contemporâneos, obrigados a existir no reverso confuso do quotidiano.