Inês Lourenço

Inês Lourenço

O jogo perverso de Isabelle Huppert

Não é fácil encontrar um adjetivo pleno e justo para descrever a arte de Isabelle Huppert, uma das atrizes francesas que melhor conserva, ativamente, a sua identidade nos mundos diversos de cada filme em que entra. É o chamado ser "igual a ela própria", na enorme subtileza de se transformar noutra, dentro das fronteiras da sua personalidade. Talvez por isso o título do filme de Paul Verhoeven seja tão perspicaz: Ela. Simplesmente, ela. Essa atriz que cresceu - não só, mas particularmente - no pragmatismo e perversidade do cinema de Claude Chabrol, e aí estabeleceu uma sublinhada presença diante da câmara, como se tivesse para sempre nas mãos a caçadeira que empunha na derradeira cena de A Cerimónia (1995). Desta impressiva postura dominante se faz também, na essência, o novo filme do realizador holandês, que coloca a protagonista, sozinha e de modo deliberado, no encalço do homem que a violou... uma violação que marca o primeiro plano de Ela, e instala o jogo perverso que configura toda a narrativa.

Inês Lourenço

Passerelle de super-heróis

O catálogo de intenções de X-Men: Apocalipse está todo no título. A chamada direta para a catástrofe em escala máxima é a certidão pura dos efeitos especiais, que já raramente se vinculam a desígnios narrativos. Haja retina... A verdade é que Bryan Singer, pioneiro deste blockbuster da Marvel (que teve início em 2000), nunca revelou particular interesse pela humanidade das personagens, deixando os mutantes confinados ao espetacular exercício dos seus poderes. Por tal razão, não causa estranheza que, uma vez mais, o enredo de X-Men surja como um balão que se vai enchendo até ao limite, rebentando na pretensão de uma ópera grandiosa.

Inês Lourenço

Ordem para surpreender

A sombra do êxito de Skyfall pairava sobre as expectativas de Spectre como um abutre sobre uma caravana no deserto. Mas se de facto é a sugestão da morte que surge, desde logo, em epígrafe - "os mortos estão vivos" - e em toda a sequência inicial do filme, a verdade é que a memória aqui preservada dos James Bond que antecederam Daniel Craig assegura uma ideia bastante agradável ao conceito da série: a evolução na continuidade.

Inês Lourenço

Filmar a beleza triste

A vida é lixada", ouve-se alguém dizer, ainda perto do início do filme. Uma expressão frequente entre a juventude, mas que nos chega, desta feita, pela voz de uma velhinha. A norte do país, de Trás-os-Montes ao Alto Douro, a câmara e o olhar de João Canijo e Anabela Moreira vão-se encontrando com a vivência das comunidades locais e os seus hábitos castiços. Entre a aspereza do trabalho no campo, o culto caseiro das telenovelas, procissões, conversas quotidianas e alguns cantares, percorre-se a solidão conformada nos rostos de quem repete, como ladainhas de consolo: "morrer, morremos todos" ou "a terra fica sempre". Mera constatação do vazio que transparece num Portugal envelhecido. Talvez só mesmo nesta zona do país - onde já Margarida Cordeiro e António Reis colheram a quintessência do cinema documental português que é Trás-os--Montes (1976) - se pudesse ir buscar, nos dias que correm, uma amostra do que será o retrato nacional, para lá da noção de desenvolvimento económico. E é curioso que a visita volte a ser empreendida a dois, por um homem e uma mulher. Um mergulho na cultura popular, um cinema que se liga à terra e às gentes.