Crítica de cinema

João Lopes

Espectros digitais

Perto do final de Vingadores: Guerra do Infinito, os heróis vagueiam nos destroços do cenário digital, depois de uma interminável rotina de explosões e destruições garantida pelos efeitos especiais. Até que uma das personagens, em tom supostamente sério, proclama: "Alguma coisa está para acontecer..." Como? Seria apenas ridículo, se não fosse também sintomático da miséria narrativa a que chegaram as produções com chancela Marvel, distribuídas pelos estúdios Disney... e podemos imaginar o que Walt Disney diria desta metódica decomposição de valores (veja-se e reveja-se a sofisticação narrativa de clássicos como Pinóquio ou Bambi para compreender as diferenças). Filmes como Vingadores: Guerra do Infinito não têm outro programa que não seja a reprodução, ad infinitum, de uma patética coleção de agressões visuais e sonoras, sempre organizadas em torno da mesma vulgar "ideia" de aventura: o universo está à beira da destruição e os super-heróis são convocados para o salvar...A indigência simbólica é assustadora: já não há conflito que não seja contra as forças de um "mal" sem forma, do mesmo modo que já não há personagens que existam para além da sua condição de espectros digitais. Tornou-se mesmo penoso continuar a ver atores como Robert Downey Jr. a esbanjarem, assim, o seu talento - fazem, literalmente, figura de corpo presente. Estamos perante uma nova forma de (des)educação visual, banalizando o próprio conceito de composição das imagens. O que se procura é apenas a criação de agitações efémeras, à maneira dos mais grosseiros códigos publicitários. Há sempre uma ou outra opção figurativa ou cenográfica capaz de sustentar um trailer sugestivo com dois minutos de duração. Mas, com tão escassa imaginação, não é possível construir um filme de 149 minutos...