convidados

Cabo Delgado – histórias de desencantar

Carlos Almeida

Cabo Delgado – histórias de desencantar

Conheço Mocímboa da Praia desde 2010, altura em que a energia elétrica tinha hora marcada e era providenciada por um gerador municipal. Vila pacata com alguma construção colonial e um monumento impressionante, um mausoléu construído em 1956, de homenagem aos portugueses mortos durante a I Guerra Mundial, nos combates com alemães nos arredores do rio Rovuma, perto do local onde agora está a ser explorada uma das maiores reservas de gás natural do mundo. No dia 5 de outubro de 2018 a vila foi invadida por bandidos armados durante três dias. Durante os anos de 2018 e 2019 continuaram a acontecer ataques esporádicos pelos chamados insurgentes em diversas aldeias, sempre com o mesmo padrão: grupos de homens entravam armados nas aldeias, disparavam tiros para o ar, assassinavam algumas pessoas com requintes de terror, queimavam as casas e saíam. Esperava-se que depois do ciclone Kenneth que atingiu Cabo Delgado no dia 25 de abril de 2019, diminuísse o número de ataques, mas tal não aconteceu. Rapidamente os ataques passaram de aldeias para vilas como Quissanga e Macomia, culminando na situação atual em que os terroristas tomaram pela terceira vez Mocímboa da Praia, controlando o porto de mar.

Opinião

Racismo em 2017, um ano Negro?

Mais do que nunca antes no espaço público, pelas melhores e pelas piores razões, 2017 foi o ano em que mais se falou de racismo na sociedade portuguesa a partir da fala dos próprios sujeitos racializados. A violência policial sistemática contra negros e ciganos, a segregação habitacional que culmina nos despejos violentos sem alternativas e na precariedade das condições de habitabilidade, a exploração laboral que atinge mais violentamente as trabalhadoras dos serviços de limpeza, a exclusão da cidadania que mantém jovens que nasceram cá como estrangeiros no seu próprio país, a marginalização escolar que fustiga os jovens destas comunidades, fruto de um sistema educativo iniquo, uma lei de imigração que mantém na ilegalidade milhares de cidadãos presos nas malhas do poder discricionário do SEF e o ressurgimento despudorado de um discurso populista racista por parte de figuras políticas e culturais, acrescidos à ausência de participação política, são a face má desta história. Este debate teve como pano de fundo uma enorme discussão sobre a memoria do passado colonial e as suas consequências na vida dos negros e afrodescendescentes de hoje assim como na representação simbólica do imaginário nacional da questão racial.

Guilherme D'Oliveira Martins

O tecido cultural da Europa

Quando falamos de património cultural, há a tentação de pensar que falamos de antigualhas, de coisas do passado, irremediavelmente perdidas num canto recôndito da nossa memória. Puro engano! Referimo-nos à memória viva, seja ela referida a monumentos, sítios, tradições, seja constituída por acervos de museus, bibliotecas e arquivos. Mas fundamentalmente tratamos de conhecimentos ou de expressões da criatividade humana... Ter memória é, assim, respeitarmo-nos. Cuidar do que recebemos é dar atenção, é não deixar ao abandono. Por isso, o património cultural que devemos proteger é sinal para que o que tem valor hoje e sempre não seja deixado ao desbarato. Como poderemos preservar o que é novo se não cuidarmos do que é de sempre?

convidados

A rejeição da democracia

A eleição de Donald Trump desencadeou uma verdadeira enxurrada de manifestações de surpresa, pesar, medo, o que se percebe porque ele é bombástico e imprevisível. Têm-se escrito milhares de linhas sobre o assunto e escutado milhares de opiniões. Surgiram previsões catastrofistas e iniciativas anti-Trump: cartas abertas a afirmar que o mundo o rejeita; petições para que resigne ao cargo; e, claro, agitação nas ruas. Nos últimos dias têm-se sucedido, em várias cidades dos Estados Unidos, manifestações alimentadas sobretudo por gente jovem que sai de casa e do campus universitário para se insurgir mais ou menos violentamente contra o que resultou das urnas eleitorais. Em Portland, por exemplo, a manifestação descambou em confrontos físicos, destruição de carros, montras partidas. A polícia considerou que estava perante um motim e agiu em conformidade. Acabo de ver na televisão uma jovem manifestante explicar, muito compenetrada, que estava ali a manifestar-se (violentamente) contra Trump, um tipo perigoso porque incita à... violência. Confusões e incoerências de gente que perde o norte e o nexo no calor da militância e da luta. Nada de novo nem de preocupante.