Sociedade
26 março 2022 às 00h07

Um marceneiro empreendedor que fez das pedras no caminho uma rampa de lançamento

Brunch com Celso Lascasas, empresário, empreendedor e fundador do grupo LasKasas.

Joana Petiz

Do nome de família herdado de uma bisavó alemã - engenheira que chegou a Portugal nos anos 20 do século passado para ajudar a gerir as minas de carvão próximas de Gondomar e por cá se apaixonou e ficou - Celso Lascasas fez um tesouro que partilha com quem o ajuda a construir diariamente o grupo, que já conta com 17 anos e 470 empregados. Cada moeda, a recompensa por algo maior do que o sonho que lhe alimenta ainda a ambição de ombrear com as marcas de topo mundial a meio da década: a capacidade de fazer das pedras que desde sempre teve no caminho uma rampa de lançamento para uma vida muito melhor do que a certidão de nascimento lhe prometia.

Quem o visse à mesa do Café Zenith, na agora quase moderna Rua do Telhal, em Lisboa, dificilmente reconheceria o aprendiz de marceneiro que aos 13 anos começou no ofício marcado a ferro no destino dos nascidos em Paredes nos anos 70. Não o renegou: os móveis foram e continuam a ser a sua vida. Mas transformou-o à medida do que via e não podia ter, conquistando a pulso cada etapa sem sombra de mágoa. O jeito familiar de tratar quem mal acaba de conhecer não o perderá por mais longe que chegue. Trata-me por tu desde a primeira frase, com a pureza de quem tem ainda traços de criança na forma de estar, porque se fez adulto muito mais cedo do que seria suposto e nem sequer sabe o que é ter ressentimentos. Isso é óbvio quando explica como os amigos de vida mais leve o ajudaram a crescer e a ter ambição: "Lembro-me de ganhar 20 contos e conseguir comprar umas sapatilhas de 25 que me deixaram liso; mas tinha de ser como os meus amigos, poder olhar para as miúdas de igual, e isso motivava-me a trabalhar mais, a estofar mais para ganhar mais dinheiro e conseguir ter o que eles tinham, andar com eles sem haver diferença. Ainda hoje reconheço e lhes digo muitas vezes que eles, indiretamente, me ajudaram a vencer."

À mesa, cafés e águas reforçados à minha chegada, vai despachando assuntos com a Sandra, gerente das três lojas LasKasas que tem em Lisboa - há que rentabilizar cada minuto da estada na capital, onde aterrou de manhã cedo, antes de voltar para o Norte. "Eu estou sempre na "minha aldeia"", ri-se, "se tivesse de vir mais vezes cá abaixo era mau sinal para ela", brinca, mas faz questão de mostrar que não é o caso: "As lojas daqui fazem 450 mil euros por mês. E se a maior do grupo estivesse em Lisboa, faturava o dobro, porque o poder de compra aqui não tem comparação com o de lá de cima", esclarece. Nos dois mil metros quadrados da loja de assinatura, aberta em Leça da Palmeira, uma amostra bem medida do mundo LasKasas, faz todos os meses 320 mil euros. A que soma a receita do resto de uma dúzia de localizações entre as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, mais quatro para lá das nossas fronteiras, em Marbella, Luanda, Punta Cana e, desde há duas semanas, Londres.

Punta Cana, República Dominicana, sim. "Tinha lá uns conhecimentos, vendemos uns bons projetos de seguida e as pessoas gostaram; então surgiu a hipótese de abrir em parceria com um espanhol que lá vive há 20 anos, e pronto." Não são os hotéis os seus clientes - nem ali nem em parte alguma -, são americanos, canadianos, latino-americanos endinheirados, a quem recheia as casas de sonho com peças aqui desenhadas e criadas de raiz na sua casa. Peças únicas, pagas como tal.

Tomar as rédeas a como começou a aventura de Celso não é difícil: não há caminhos paralelos nem ruelas obscuras. Há a clareza de quem conta uma vida que se fez simples, porque complicá-la só podia correr mal. Aos 47 anos, já conta 34 de trabalho neste negócio. Como é que os móveis lhe entraram na vida, pergunto, a resposta é pronta: "Não tive escolha. Paredes é uma cidadezinha pequena e a região toda trabalha nisto. Comigo não foi diferente." Aos 13 anos, escola feita até ao 6.º, começava como aprendiz de marceneiro no negócio de um tio. "Era assim a vida e quem não queria levava duas lambadas e ia na mesma." Volta ao riso de criança antes de explicar que sempre morou com os avós maternos, nem sabe explicar bem porquê; faço eu as contas: a mãe era jovem (ainda não tem 70 anos), a vida dura provavelmente chegava mal para três irmãos e ele era o mais velho - e as alhadas em que o pai se via terão também tido influência. Fosse por que fosse, Celso pegou no que tinha de vontade - tornou em forças a sua cruz, como dizia a avó - e fez-se à vida de forma que pudesse pesar o mínimo possível e ter tanta independência quanto desejava.

A ambição de ter alguma coisa que fosse sua e de traçar um destino diferente dos que via à volta moveu-o para a frente e para cima. E ao ver-se sem mais caminho no primeiro emprego, já encarregado ainda antes de atingir a maioridade, foi procurar oportunidades onde as houvesse. Aos 25 anos já liderava uma empresa e do que ganhava "ia pondo alguma coisa de parte" para alimentar a ideiazinha que ia germinando de construir o seu próprio negócio. "Eu queria pelo menos arriscar; se não desse, voltava para trás. Sempre fui assim. Mas não tinha liquidez, por isso comecei a poupar, a abdicar de algumas coisas, e aos 30 abri a primeira lojinha, em Ermesinde. Era eu e um empregado que fazíamos tudo, sete dias por semana. Comprava as peças a fabricantes, expunha, vendia, entregava, montava os móveis..." Ao fim de semana dava folga ao empregado e ficava ele a solo, a aproveitar cada dia para juntar o que precisava, porque não era ainda aquele o seu sonho: queria ter os seus modelos, peças de design criadas e construídas dentro de portas, fazer um negócio 360. Não havia tempo para descansar.

Essa vida e algum conforto já conquistado havia de lhe rebentar com o primeiro casamento. "Eu era novinho, já namorávamos há nove anos e segui o que era suposto... casei-me. Mas estava numa fase da vida diferente, só queria festas, queria gozar o que não tinha podido aproveitar na adolescência. Era aquela idade estúpida. E claro que correu mal." Assume erros e êxitos, fracassos e sucessos como parte de uma mesma história, em que foi amadurecendo e crescendo. E fermentando a LasKasas ao ritmo de uma loja por ano, primeiro à distância que pudesse controlar - Maia, Famalicão, Porto - e por fim a quinta, em Alfragide, em 2007, que lhe permitiu dar o salto geográfico e financeiro. "Vender para Lisboa nessa altura era quase como vender para o estrangeiro. Arrisquei um bocado, mas sempre fui assim, e a partir desse momento dupliquei os resultados."

Assim conseguiu margem para começar a fazer a sua produção. Aos poucos foi montando uma fábrica, contratando pessoal para fazer peças, criando catálogos próprios e construindo a marca. "Sempre foi esse o meu foco, fazer uma marca, e percebi que o estava a fazer sozinho - não havia redes sociais e todo o dinheiro que eu ganhava investia a comunicar onde fosse, na rádio, em outdoors, em revistas. Mas eu não tenho formação nisso, sou marceneiro! E vi que tinha de incluir na organização quem soubesse montar essa estratégia de marketing, e fi-lo, e com isso demos outro salto, foi de pinto para galo." Pelo meio, abria mais duas fábricas, para ter também dentro do grupo tudo quanto precisasse de metais e de estofador. E somava empresas complementares à área até um total de 11, incluindo uma de obras de interiores.

Mas nem tudo foi simples, nem o caminho o livrou de sobressaltos. "Há dias em que é difícil, apetece desistir de toda aquela preocupação, pensar que temos quase 500 famílias que dependem de nós é uma responsabilidade que pesa - e eu gosto de dar aos meus boas condições." Identifica na crise de 2008 um momento difícil - "levei um estalo muito grande, estive mais de um ano estagnado" -, mas imediatamente prova com factos o que já se desconfia, que o desânimo não lhe dura mais do que o tempo de traçar um plano. A ele, o afunilar de esperanças serve o propósito de ver com mais clareza o brilho das oportunidades novinhas em folha.

"Nessa altura pensei: "Oh, Celso, isto assim não está bem... Ou começas a pensar global ou paras por aqui e ficas bem com o que tens, uma empresa pequenina e pronto. Se queres ter uma grande organização tens de sair." E cheguei à conclusão de que não me queria ficar, por isso comecei a contratar pessoas para preparar a internacionalização." Nessa viagem, ainda antes das lojas vieram as feiras, fazendo pontaria às melhores do mundo na área: Paris e Milão. Nas feiras não se vende, mas faz-se contactos, espalha-se a mensagem, dá-se a conhecer produtos e marca. Planta-se a semente do negócio. E essa semente levou-os aos 60 países com os quais conta no rol, com o Médio Oriente como campeão de vendas e de receitas. "As pessoas pagam bem a peça. Eu consigo vender mais caro no Dubai, para arquitetos - que ainda vão pôr a sua margem -, do que noutro sítio, diretamente ao cliente. Os padrões são totalmente diferentes", explica. "Há meia dúzia de anos, a LasKasas exportava 4% - era o que vendia através das lojas daqui -, agora já fizemos 35% e quero chegar a 50%, o mais rápido possível, em dois anos, porque se o negócio cair num sítio há outro que compensa."

Para isso esteve há uma semana no Dubai - onde tem também os seus produtos na Expo, no Pavilhão de Portugal. Para isso está focado no mercado britânico, onde chegou há menos de um mês, vencendo o "pesadelo de papéis e impostos" da era pós-brexit. (Retifica: "Quando digo Inglaterra, é Londres, que o resto são Braganças e Mirandelas da vida. É a cidade melhor da Europa. Qualquer árabe tem uma casa lá e há muito poder de compra.") Para isso está a caminho da Maison & Object de Paris - ainda que leve no bolso tempo de qualidade para passear e "namorar" com a filha, Sofia.

"Montar uma feira custa-nos 250 mil euros por quatro dias, mas estamos ao nível das empresas de topo do segmento, ao lado das italianas, mas fazendo sempre questão de ter o "made in Portugal" bem visível. Há que ter orgulho em Portugal. E já somos bem reconhecidos no segmento", frisa. Quer consolidar o grupo nessa fasquia mais alta, e para este movimento conta também com o mercado da América do Norte. "É o nosso foco agora, quero entrar em Nova Iorque até ao primeiro trimestre de 2023, é um mercado brutal, 300 milhões de pessoas."

O trabalho nunca está feito para quem não se conforma, mas Celso assume que já começa a querer abrandar, a trabalhar para passar o testemunho. E nisso teve maior importância o seu mais novo desafio: o Martim, de quatro meses. "Quando nasceu a minha filha, eu adorei, mas o meu foco nessa altura era o negócio, era ter coisas e não a acompanhei nesses anos", admite. E se já vai compensando a filha pelo tempo que perdeu, o bebé trouxe-lhe uma segunda oportunidade de ser verdadeiramente pai - e não a deixou escapar. Ao ponto de, pela primeira vez na vida, estar um mês longe do trabalho.

"Estou a começar a pensar no que quero para o futuro e estou tranquilo: se não ganhar dez, ganho sete ou oito, mas quero abrandar. Tenho um núcleo duro de quatro ou cinco pessoas e gosto de dividir pelos meus. Eles têm de dar gás, ganhar responsabilidades e ter uma melhor retribuição. Porque as empresas não são só o CEO, é quem está à volta." Entre esses está a mãe do filho, Diana, a quem confiou a empresa nestes tempos. "É o meu braço direito, ela é que é a CEO quando eu estou ausente. Está há 14 anos na empresa e já me ajudou muito - e agora também me conhece na dimensão de casa." E se há um ano Celso não se via capaz de tamanho desprendimento, agora admite que quer manter-se ligado à LasKasas mas como chairman, numa visão mais estratégica e afastado da gestão diária. "Se a Diana quiser, eu quero outro bebé", junta.

Não é propriamente parar que lhe está no horizonte - dedicar mais tempo à imobiliária que comprou há quatro anos é um projeto em pipeline e contratou há semanas um professor para lhe ensinar a falar inglês, coisa pouca para quem há um par de anos decidiu perder cerca de 50 kg e hoje ninguém diz que não foi toda a vida um desportista -, mas ambiciona agora uma vida mais tranquila.

Um dia, vê a filha a seguir-lhe as pegadas? "Ela diz que vai ser gestora, mas eu gostava que antes disso ela visse o mundo, abrisse a mente. Há riscos, mas acho importante fazer isso, trabalhar fora, naquelas empresas de Silicon Valley, alargar horizontes. Depois, se gostar, pode pegar na empresa. Ela decidirá." Por agora só faz questão de lhe explicar de onde vem tudo quanto tem. "Digo-lhe sempre: "Nunca te esqueças que sem a LasKasas nem eu nem tu temos nada." Mas ainda falta muito até ela escolher o que há de ser a vida dela, uns 10 anos pelo menos."

São bem diferentes os 13 anos de Sofia do que foram os de Celso. E garantir isso é um orgulho para ele.

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