Restrições à circulação fora do estado de emergência não vão ao TC
Provedoria de Justiça analisou duas queixas, uma delas da Iniciativa Liberal, sobre as restrições decretadas pelo Governo no início de julho, mas decidiu não enviar as medidas para o Constitucional.
A Provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, não vai pedir a apreciação da constitucionalidade da proibição de circulação na área metropolitana de Lisboa, decretada pelo Governo fora da esfera do estado de emergência. A medida tinha sido alvo de uma queixa da Iniciativa Liberal. Pelo caminho fica também o pedido de apreciação da constitucionalidade da proibição de circulação na via pública entre as 23 horas e as 5 da manhã, decretada pelo Governo a 2 de julho, e que a IL incluiu também na queixa apresentada. A Provedoria deixa este ponto específico sem uma resposta concreta, o que deixa claro que não lhe dará seguimento.
Ao DN, a Provedoria justificou a decisão argumentando que a "fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade não é um meio apto para normas com vigência muito localizada", sublinhando que a jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC) mostra que o tribunal é "muito avesso a pronunciar-se após a respetiva revogação". Quer a proibição de entrada e saída na área metropolitana de Lisboa, quer o dever de permanência no domicílio durante a noite (que foi aplicado aos concelhos em risco elevado de contágio por covid-19, e que chegou a abranger cerca de quatro milhões de portugueses), já não estão em vigor. Já quanto ao argumento invocado sobre a fiscalização sucessiva (a figura legal através da qual a Provedoria pode pedir a apreciação da constitucionalidade dos diplomas), prende-se com o facto de estes pedidos não terem um prazo determinado para apreciação pelos juízes do Palácio Ratton. Habitualmente, estes pedidos demoram pelo menos um ano até terem desfecho.
Na resposta enviada à IL - que, como referido, aponta em concreto à proibição de entrada e saída na Área Metropolitana de Lisboa, embora a queixa fosse bastante mais abrangente - a Provedoria de Justiça refere que os tribunais já tiveram "ocasião de se pronunciar a este respeito, em sede de procedimentos cautelares, não dirigindo qualquer censura a estas medidas, seja por razões orgânico-formais, seja por razões substantivas". "Como compreenderá, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas, nada cabendo a este respeito aditar", refere o documento, assinado pela Provedora-Adjunta, Teresa Anjinho. E acrescenta um outro argumento: A "favor da sua não desproporcionalidade fala, em especial, o grande número de exceções admitidas", bem como a possibilidade de circulação mediante a apresentação de um teste negativo ou certificado digital de vacinação.
Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
A decisão judicial citada refere-se a um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, que se pronunciou sobre as restrições à circulação na Área Metropolitana de Lisboa, concluindo que a medida configura "uma restrição e não uma suspensão de direitos, liberdades e garantias fundamentais". Um entendimento que o Governo invocou depois para defender a constitucionalidade da proibição de circulação na via pública entre as 11 da noite e as cinco da manhã, alegando que se tratava de uma "restrição" e não de uma "suspensão" de direitos fundamentais. Uma limitação permitida pelo artigo 18 da Constituição, que estipula que "a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos".
Na resposta à IL, a Provedoria remete ainda para uma publicação do próprio organismo, dedicada ao Estado de Direito face à pandemia, um conjunto de reflexões onde se aponta os casos da Alemanha, da França ou da Itália para sustentar que as respostas jurídicas à pandemia não têm necessariamente de passar pelo respaldo de uma declaração de estado de emergência - a questão que muitos constitucionalistas têm apontado como inconstitucional.
Segundo a Provedoria de Justiça, foram duas as queixas apresentadas a este organismo sobre as medidas de restrição. Uma delas tinha sido anunciada publicamente pela IL. Já quanto à segunda não é conhecida a origem, uma informação que a Provedoria não divulga.
Lei de Bases da Proteção Civil também não vai ao TC
Na queixa que fez à Provedoria, apresentada pelo candidato a Lisboa, Bruno Horta Soares, a IL pedia mais que a apreciação da constitucionalidade das medidas tomadas em Conselho de Ministros. O partido pedia também que fosse enviada ao TC a própria Lei de Bases da Proteção Civil, à luz da qual o Governo avançou com as limitações à circulação. Um pedido que também não encontrou eco, dado que a resposta da Provedoria é omissa também quanto a este aspeto. A própria lei tem sido apontada como contrária à Lei Fundamental. É esse o entendimento do constitucionalista Paulo Otero que, à data em que o Governo avançou com as medidas de restrição fora do âmbito do estado de emergência, dizia ao DN que a inconstitucionalidade das medidas estava a montante, na própria Lei de Proteção Civil, no artigo que permite restrições à liberdade de circulação - "essa norma legal é inconstitucional".
Partilhar
No Diário de Notícias dezenas de jornalistas trabalham todos os dias para fazer as notícias, as entrevistas, as reportagens e as análises que asseguram uma informação rigorosa aos leitores. E é assim há mais de 150 anos, pois somos o jornal nacional mais antigo. Para continuarmos a fazer este “serviço ao leitor“, como escreveu o nosso fundador em 1864, precisamos do seu apoio.
Assine aqui aquele que é o seu jornal