Querem transformar em condomínio a paisagem na reserva da praia da Luz
Conhecido como a Ponta da Gaivota, o terreno situado em área de reserva natural pode dar lugar a vivendas licenciadas em 1974. A população diz que é ilegal e quer nova avaliação. A autarquia contesta.
O descampado na Quinta do Mar, entre o porto Dona Maria e a reserva ecológica da Luz, em Lagos, tem vista panorâmica para o Atlântico e para as falésias. Deram-lhe o nome de Ponta da Gaivota. Felicidade para quem lá mora e quem a visita. Há dois anos foi ressuscitado um projeto com 49 anos para a construção de 22 a 23 vivendas, que nunca foi registado e a autarquia já considerou caducado. Mas o seu licenciamento acabou por chegar a discussão pública apesar de todas os protestos da população.
O prazo para discussão acaba dia 31, mas a Associação Miradouro da Luz, que lidera a contestação, contabiliza o fim até esta sexta-feira. Temem que, logo o que termine o prazo, a autarquia autorize o início do loteamento. Lançaram uma petição para o evitar, que ultrapassa os 500 subscritores. E ameaçam com uma providência cautelar se a obra for para a frente. Esperam também o resultado das novas diligências realizadas pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve junto da Câmara Municipal de Lagos (CML), uma das entidades a quem se têm vindo a queixar de irregularidades no projeto.
O principal argumento é "ser uma construção ilegal" por o terreno se situar numa reserva ecológica e a planta estar diferente do que era em 1974, quando foi concedido o alvará.
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O DN perguntou ao presidente da CML, Hugo Pereira, qual será o passo após a discussão. "Todas as questões suscitadas serão analisadas e enquadradas do ponto de vista legal e, sendo a margem de discricionariedade nesta matéria quase nula, a pretensão só pode ser indeferida se existirem fundamentos juridicamente sustentáveis", responde. E sublinha: "O processo encontra-se sujeito a pronúncia dos proprietários dos lotes existentes, onde não incide a alteração em causa e também a discussão pública. Se existir oposição da maioria destes proprietários, o processo não pode ser aprovado".
Alexandra Soares, presidente da Associação, tem procurado em todos os arquivos para descobrir o que se tem passado com o loteamento. Por exemplo, "as atas camarárias foram sempre omitidas". Tiveram uma pequena vitória em setembro, quando conseguiram que a autarquia embargasse as obras de urbanização, por recomendação da CCDR, argumenta a dirigente. O projeto de loteamento não tinha prevista a criação de infraestruturas, o que não era exigido em 1974. Alexandra, que é advogada, acusa a autarquia de ter celebrado um contrato com a promotora da urbanização para fazer os arruamentos e outras melhorias.
Alvará antes do 25 de Abril
O loteamento (1/74) foi aprovado a 1 de janeiro de 1974, nunca foi registado, nem as obras de infraestruturas realizadas. Em reunião de câmara, a autarquia deliberou em 1986 que o projeto tinha caducado. O Plano Diretor Municipal foi aprovado em 2015 e o terreno fica na reserva ecológica, 90% da qual é zona verde. Tudo razões que obrigam a uma nova avaliação da CCDR e a um estudo de impacto ambiental, segundo os opositores.
A petição "tem como alvo a oposição à intenção de alterar o licenciamento do defunto loteamento 1/74", refere e defende: "Foi alterado através da extração de três parcelas ao longo dos anos, pelo que a alteração pretendida é inviável por ser ilegal". "Assistimos a uma manobra" para ignorar esta decisão e "reanimar este assunto com uma tentativa de reposição de direitos usando como base uma planta de síntese falsa. O município deve inviabilizar esta operação e matar este loteamento."
Hugo Pereira contrapõe: "Até à data, o município não identificou qualquer ilegalidade que possa levar à rejeição imediata do pedido. Note-se que o processo de alteração ainda se encontra em tramitação, não havendo qualquer decisão final". A modificação traduz-se "numa redução de sete lotes, passando de 29 a 22, bem como requalificação de todas as infraestruturas (arruamento e redes enterradas), que se encontram bastante degradadas", diz. E assume que há "uma alteração ao alvará original, que será naturalmente uma nova versão". Mas "mantém os princípios do desenho inicial - moradias unifamiliares em lotes de generosas dimensões".
Pareceres desfavoráveis
A CCDR deu quatro pareceres desfavoráveis, em "razão da localização da pretensão". No quinto, acabou por considerar que não tinha competência para a avaliação, uma vez que na última planta de síntese não havia alteração do terreno face ao que teria sido aprovado em 1974. É mais um dos erguimentos da contestação.
Segundo o presidente da CML, as questões que causavam objeção "foram ultrapassadas". Em causa, "a validade do alvará inicial e alterações em área de REN". Mas "o município demonstrou a validade do alvará e o requerente alterou a pretensão no sentido de não incidir em área condicionada pela Reserva Ecológica Nacional".
Seguiu-se a discussão pública para a "Licença Administrativa de alteração ao loteamento titulado pelo alvará de loteamento n.º 1/74", Mata Porcas, na freguesia da Luz, requerida por Celestino Vermelho, um dos dois grandes promotores de imobiliário no concelho.
"É um loteamento de 1974 e que nunca foi registado na conservatória, provavelmente por questões financeiras e políticas, foi aprovado antes do 25 de Abril. Em 1985, a autarquia considerou que faltavam as obras de infraestruturas, as existentes estavam obsoletas, e que não se podia avançar com o loteamento. Em 1986, deliberou a caducidade do projeto (uma das reuniões foi a 7 de maio), decidindo não prorrogar o prazo para a execução das obras", explica a advogada.
O terreno foi vendido a Celestino Vermelho em 2007 e o PDM levou dez anos para ser aprovado, em 2015, que é quando o promotora reativa o processo. "Há um PDM, um regime novo que não se está aplicar a uma situação que está diferente, além de que não estava registado", argumenta Alexandra Soares. Acredita que a promotora teve dificuldade em conseguir o registo e que várias conservatórias do Algarve o recusaram, o que só veio a acontecer em 2020, em Abrantes. Foi a partir daqui que a Associação soube da intenção em ser construído o loteamento e que motivaram queixas dos habitantes locais.
Encontraram as atas que declarava o projeto caducado e, já em finais de 2021, os pareceres desfavoráveis da CCDR. "Alteraram a planta de forma a ficar na versão original, incluíram parcelas que foram desconexas nos anos 80 do século passado. Se fosse atualizada, iria inviabilizar a operação urbanística por ser uma área de reserva ecológica e a lei proíbe alterações", diz a dirigente. Inicialmente, o loteamento incidia sobre 146 mil metros quadrados e agora incide em relação a 110 880 m2.
ceuneves@dn.pt