Pedrógão Grande: Vítimas dos fogos ainda necessitam de apoios de saúde mental
Cinco anos depois dos incêndios de Pedrógão Grande, muitas das pessoas que viveram direta ou indiretamente a tragédia continuam a ser acompanhadas por equipas de saúde mental.
Cinco anos depois dos incêndios de Pedrógão Grande, muitas das pessoas que viveram direta ou indiretamente a tragédia continuam a ser acompanhadas pela equipa de saúde mental de Leiria/Norte do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
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A equipa, segundo a coordenadora Ana Araújo, acompanha dezenas de pessoas e ainda continua a receber pacientes que, "eventualmente, não começaram o processo terapêutico e psicofarmacológico de tratamento desde o início desta tragédia".
Em declarações à agência Lusa, a especialista anunciou a realização de um estudo sobre o trabalho efetuado nestes cinco anos, que será desenvolvido no próximo ano, "do ponto de vista da recolha e análise de dados".
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Salientando que será um "estudo demorado", Ana Araújo explicou que vão ser selecionados grupos de pessoas que já eram acompanhadas, "mas que foram vítimas diretas ou indiretas da situação". "E, obviamente, as que não acompanhávamos e passámos a acompanhar".
A tragédia de 17 de junho de 2017 causa impactos por altura de mais um aniversário, "que são marcas densas, emocionalmente marcantes para as comunidades, que ainda subsistem de uma forma muito intensa, apesar de todo o trabalho e apoio que se tem desenvolvido".
Segundo a coordenadora, os efeitos da tragédia são transversais a todas as faixas etárias, "porque as pessoas e as famílias são sempre próximas umas das outras e todos sofreram um impacto, familiares e amigos muito próximos".
No entanto, as pessoas com mais idade "sentiram mais de uma forma traumática, com perdas de bens ou de pessoas amigas e das suas relações".
"De facto, foram as que sentiram um impacto mais intenso", sublinhou.
De acordo com Ana Araújo, "os jovens e as crianças também viveram a tragédia à sua maneira". "Mas penso que ultrapassam pela proteção que lhes foi estabelecida e pelas suas dinâmicas psicoemocionais".
Depois dos incêndios, a equipa de saúde mental de Leiria/Norte do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra tem mantido consultas semanais em Pedrógão Grande, Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Ansião.
Ana Araújo salientou que a consulta funciona de terça a sexta-feira, com uma média de 10, 12 pessoas por dia. "No primeiro ano após a tragédia eram mais pessoas, porque também tinha mais colegas a trabalhar comigo, mas, neste momento, tenho ideia de que o número de atendimentos se tem mantido estável", sustentou.
A pandemia da covid-19, que assolou o país desde março de 2020, agravou o sofrimento, sobretudo das pessoas de idade, devido ao isolamento a que estiveram sujeitos.
"Não poderem visitar pessoas que estavam nos lares e nos centros de dias, que tiveram de encerrar, aumentou obviamente o sofrimento das pessoas", sublinhou Ana Araújo.
Os incêndios que deflagraram em junho de 2017 em Pedrógão Grande e que alastraram aos concelhos vizinhos de Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos provocaram a morte de 66 pessoas, além de ferimentos a 253 populares, sete dos quais graves.
Os fogos destruíram cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.
Pelo menos oito processos estão em tribunal na sequência dos incêndios
Pelo menos oito processos estão em tribunal na sequência dos incêndios de Pedrógão Grande e, destes, um subiu à Relação de Coimbra e sete estão distribuídos pelo Tribunal Judicial, Tribunal do Trabalho e Tribunal Administrativo e Fiscal, em Leiria, disseram à agência Lusa fontes judiciais.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria correm termos duas ações. Uma foi intentada pela mulher do bombeiro Rui Rosinha, que ficou gravemente ferido nos incêndios de Pedrógão Grande, e a outra pela mulher de um operador florestal, também ferido grave.
Rui Rosinha era chefe de uma viatura dos Bombeiros Voluntários de Castanheira de Pera mobilizada para os incêndios em 17 de junho de 2017, na qual seguiam mais quatro bombeiros. Um deles - Gonçalo Conceição - morreu.
Nas duas ações, contra o Estado, é pedido que seja reconhecida às duas mulheres a qualidade de vítima ao abrigo do diploma que estabelece medidas de apoio às vítimas dos incêndios florestais ocorridos em Portugal continental em junho e outubro de 2017, disse à Lusa o advogado Gonçalo Ribeiro.
Segundo Gonçalo Ribeiro, nestes casos o entendimento da Provedoria de Justiça foi de que as duas mulheres não poderiam ser consideradas vítimas, pelo que intentaram as ações para serem indemnizadas pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.
No diploma lê-se que "consideram-se vítimas dos incêndios as pessoas singulares direta ou indiretamente afetadas na sua saúde, física ou mental, nos seus rendimentos ou no seu património, de acordo com o levantamento e validação feita pelos serviços competentes, sem prejuízo do apoio previsto para pessoas coletivas".
Já no Tribunal do Trabalho, "estão pendentes três processos por acidente de trabalho, dois deles com morte".
Quanto ao Tribunal Judicial de Leiria, entrou na segunda-feira uma ação cível relativa à morte de uma mulher de 68 anos que foi atropelada na noite dos incêndios, no concelho de Figueiró dos Vinhos.
A mulher, que estava a fugir do incêndio numa cadeira de rodas transportada pelo neto, foi atropelada, acabando por morrer no hospital em 29 de novembro do mesmo ano. A ação é movida pelo marido contra a seguradora do veículo interveniente no acidente, explicou à agência Lusa o advogado Eduardo Fernandes.
Neste tribunal, está a terminar o julgamento para determinar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios, estando agendada a leitura do acórdão para dia 13 de setembro.
Onze arguidos respondem por crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como um antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
Quanto ao processo relativo a ilegalidades na reconstrução de casas no concelho de Pedrógão Grande, que acabou no Tribunal Judicial de Leiria em 31 de janeiro com a condenação de 14 dos 28 arguidos, subiu na semana passada ao Tribunal da Relação de Coimbra.
As penas mais pesadas em primeira instância foram para o ex-presidente da Câmara Valdemar Alves (sete anos de prisão) e para o antigo vereador Bruno Gomes (seis anos de prisão), ambos por vários crimes de prevaricação de titular de cargo político e de burla qualificada, alguns dos quais na forma tentada.
Dos restantes 26 arguidos, que eram requerentes da reconstrução de imóveis como se de primeira habitação se tratasse, familiares destes ou funcionários das Finanças e de junta de freguesia, o Tribunal condenou 12 a penas de prisão, suspensas na sua execução.
Os incêndios que deflagraram em junho de 2017 em Pedrógão Grande e que alastraram a concelhos vizinhos, sobretudo Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, provocaram a morte de 66 pessoas, além de ferimentos a 253 populares, sete dos quais graves. Os fogos destruíram cerca de meio milhar de casas e 50 empresas.