Arqueólogos: Parque do Côa está numa situação "insustentável" de "auto-gestão"
Presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses foi ouvido pelos deputados
O presidente da Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), José Morais Arnaud, afirmou hoje, no parlamento, em Lisboa, que o Parque Arqueológico do Vale do Côa (PAVC) se encontra numa situação "insustentável", de "completa autogestão", sem administração nem trabalhadores.
O responsável respondia a perguntas dos deputados da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, onde foi ouvido na sequência de um requerimento do PCP, para receber várias entidades ligadas ao património, sobre a situação do parque e o ato de vandalismo perpetrado em abril.
"Até ontem à tarde, pelo que sabemos, ainda não tinha sido indigitada qualquer pessoa para substituir o diretor do Parque do Vale do Côa [António Batista], que se aposentou, e a entidade encontra-se completamente à deriva", alertou o presidente da AAP.
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Na semana passada, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, revelou, no parlamento, que a proteção das gravuras do Parque Arqueológico do Vale do Côa deverá passar pela instalação de um sistema de videovigilância, e por um maior envolvimento da comunidade local.
Duas pessoas foram identificadas e constituídas arguidas, depois de terem confessado a autoria dos desenhos que danificaram o Painel Central de Arte Rupestre da Ribeira de Piscos, pertencente ao Parque do Vale do Côa, localizado no distrito da Guarda.
No entanto, no parlamento, o presidente e o vice-presidente da AAP, Luís Raposo, defenderam que aquele património mundial deve ser vigiado por presença humana, sem prejuízo da utilização de tecnologias.
"A vigilância física é uma componente essencial do projeto do Côa e é uma obrigação do Estado garantir isso. Ela foi sendo suspensa ao longo dos últimos quatro anos, e acabou por desaparecer. Mas é essencial, não só para a proteção do património, mas também para dar emprego a uma região altamente deprimida", sustentou José Arnaud.
Para a direção da AAP, a guardaria humana "é também essencial do ponto de vista didático, para dar respostas aos visitantes do parque".
Vulgarmente conhecido pela representação do "Homem de Piscos", feito há cerca de 15 mil anos, o painel com as gravuras está classificado como monumento nacional e como património mundial pela UNESCO.
O Parque Arqueológico e o Museu são geridos pela Fundação Côa Parque, criada em 2011, e cujos estatutos foram alterados em abril para passar a incluir, entre os representantes, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
A associação também alertou para o facto de a administração da Fundação do Côa ainda não ter tomado posse o que, com a aposentação do diretor do parque, faz com que todo o conjunto - incluindo o museu - se encontre "à deriva".
"O presidente interino, que é o diretor regional de Cultura do Norte [António Ponte] continua a mostrar um total desinteresse pela situação, que afeta um património único no mundo", salientou José Arnaud.
Ana Mesquita, deputada do PCP, que comparou o ato de vandalismo ao "rasgar da Gioconda", pela importância e valor das gravuras, considerou que a videovigilância não será a proteção mais correta, enquanto Helga Correia, deputada do PSD, defendeu medidas urgentes para a "defesa de um património único no mundo".
Por seu turno, João Almeida, deputado do CDS-PP, considerou que a falta de vigilância "é um problema estrutural" e receia que o ato de vandalismo possa repetir-se, tendo em conta a situação do Parque, e o deputado Jorge Campos, do Bloco de Esquerda, concluiu que o retrato apresentado sobre aquela entidade "revela as inúmeras lacunas com impacto muito negativo no património cultural do país".
Por seu turno, Gabriela Canavilhas, deputada do PS, classificou o vandalismo como "um ato idiota, que não teve intenção religiosa, ideológica" nem foi feito "para roubar algo".
"Há uma falta de consciencialização cultural que é preciso reduzir, divulgando a importância de um património tão valioso", sustentou a deputada socialista.
Quando foram conhecidos os atos de vandalismo, em abril, na sequência do repúdio manifestado por várias entidades, Luís Filipe Castro Mendes disse que "toda a gente" se queixa de falta de vigilância: "Vivemos anos de cortes brutais em todas as estruturas da Cultura, seria impossível que num ano estivesse tudo remediado".