"Os jovens olham para o Papa como uma referência, é o nosso farol"

Há quem venha a Fátima e não veja o Papa, há quem já tenha visto quatro papas neste Santuário. Cada peregrino tem a sua história.

Miguel Cunha ainda está ofegante. Faltam 15 minutos para as 9 da manhã e Miguel acabou de chegar ao Santuário de Fátima de bicicleta depois de uma noite inteira a pedalar desde Lisboa. "Mais do que uma questão religiosa este foi um desafio mental e físico", explica o arquiteto, de 47 anos, que veio com os amigos Ricardo e João. "Queríamos fazer isto de uma só vez. Saímos de Lisboa às 6 da tarde de ontem [sexta-feira] e chegámos agora, viajámos a noite toda, só com pequenas paragens para abastecimentos." Foram 158 quilómetros por caminhos difíceis. Com muitas pedras, muitas subidas e muita lama (e apesar de tudo, com sorte, tendo em conta que não choveu tanto quanto estava previsto) e com poucos apoios.

Valeram-lhes os amigos, o Bruno e o Fábio, é preciso dizer os nomes deles porque amigos assim são valiosos, que os esperavam em Santarém com comida e entusiasmo. "Até tivemos direito a chouriço assado, foram fantásticos." Mesmo não se considerando um peregrino, Miguel admite que era importante "estar aqui neste dia, noutro dia não valeria a pena." Ricardo foi carimbar os certificados, para que a aventura fique registada. Miguel e João ainda estão ofegantes. Mas não podem ficar muito mais tempo, nem sequer vão ver o Papa Francisco. Agora, vão tomar o pequeno-almoço e ainda têm mais 30 quilómetros até à estação de comboios. "Foi bom, mas já não conseguiria fazer o regresso a pedalar."

Uma cama no chão do Santuário

Quando os três amigos ciclistas chegaram ao Santuário já a manhã ia comprida para a maioria dos peregrinos. Às 6.30 parecia hora de ponta nas ruas de Fátima. Os cafés cheios, peregrinos carregando bancos. Gente a acordar de mais uma noite ao relento. Ainda não são sete da manhã quando Maria do Céu Teixeira, Ana Nascimento, Ana Cristina Pereira e Eugénia Marques saem da tenda e ajeitam o cabelo, esticam a blusa, põem os óculos escuros e preparam-se para procurar um sítio para tomar o pequeno-almoço e, já agora, lavar a cara e os dentes. "Essa é a parte pior", explica Maria do Céu. "Trazemos umas toalhitas e pomos uma base para disfarçar, mas faziam muitas falta uns balneários aqui." As quatro amigas, com idades entre os 46 e os 60 anos, vieram de Queluz, no expresso, na quinta-feira. Foi Eugénia, que já veio a Fátima três vezes e que no ano passado até veio a pé, que convenceu as amigas. A presença do Papa Francisco deu-lhes o ânimo que precisavam para passarem duas noites a dormir quase no chão - os colchonetes ajudam mas não são suficientes. Na primeira noite, colocaram o iglô verde por baixo da pala da Basílica da Santíssima Trindade, um lugar mais ou menos abrigado. "E mesmo assim foi muito mau, choveu muito e havia um senhor ao nosso lado que ressonava muito", conta Ana Nascimento. Na segunda noite já não conseguiram espaço aí e montaram a tenda junto a uma pequena árvore no em frente da Basílica. Foi uma noite fria mas acompanhada pelos cânticos e pelas orações. "E também já estávamos tão cansadas..." "Mas valeu a pena, é um daqueles momentos únicos na vida", declara Ana Nascimento. Na sexta-feira à noite, as quatro amigas estavam no meio do santuário, mesmo junto a uma grade no caminho feito por Francisco a pé: "Foi mesmo emocionante, ele ali tão perto. Ele é o Papa do povo. É uma pessoa mesmo especial."

Foram muitos os peregrinos que dormiram no chão do santuário na sexta-feira. Quando a missa terminou, pela meia-noite e meia, já alguns peregrinos tinham adormecido, embrulhados em sacos-cama, protegidos por capas de plástico ou capas térmicas, prateadas. Todos encostados uns nos outros, formado um tapete colorido.

Entre eles estava o grupo de 35 jovens de Bobadela e São João da Talha, acompanhados pelo padre Marcos Castro. "No ano passado fomos às Jornadas da Juventude na Polónia e, nessa altura, pedimos muito para o Papa vir a Fátima. Este ano tínhamos que vir", explica o prior, também ele muito jovem. "Os jovens olham para o Papa como uma referência, é o nosso farol." Vieram de comboio até "à suposta estação de Fátima", que na verdade fica a 30 quilómetros do Santuário, e depois fizeram o resto do percurso a pé. Para os dez escuteiros do agrupamento 1243 que integram este grupo foi apenas mais uma caminhada. "A noite foi boa. Fria mas com o coração quente. É uma noite diferente", explica Luís Miguel Abreu, profissional dos seguros, de 46 anos, e um dos chefes dos escuteiros. Estão habituados a carregar as mochilas às costas, a beberem um pacote de leite com chocolate de manhã, a acordar com os primeiros raios de sol do dia. Mas desta vez com algo mais: "Estar com o Santo Padre é sempre especial, ele é o sucessor de Pedro e acreditamos que ele nos protege, por isso rezamos sempre por ele como ele reza por nós." E, claro, especial também pela canonização dos pastorinhos: "Nós trabalhamos com crianças e para elas os pastorinhos são um exemplo de que não é preciso fazer muito para se ser santo, basta acreditar, rezar e seguir as palavras de Jesus."

"Ver um Papa é uma ocasião especial"

Com lenços azuis ao pescoço, o grupo de 50 polacos instalou-se no topo da esplanada, muito longe do altar. Impossível chegar mais perto apesar de serem apenas 9 da manhã. Saíram de Varsóvia, na Polónia, no dia 10, e viajaram de autocarro, através da Áustria, Itália, França e Espanha, visitando vários santuários dedicados a Maria pelo caminho. Chegaram a Fátima na sexta-feira e visitaram o santuário mas não ficaram para a celebração noturna: "Estamos a 100 quilómetros daqui, ontem vimos a missa pela televisão e rezámos com o Papa à distância. Mas hoje acordámos muito cedo para estar aqui", explica Krzystof Falkowski, um dos poucos do grupo que fala inglês. Alguns já tinham estado em Fátima mas para Krzystof é a primeira vez: "Queria estar aqui no centenário das aparições e também pela canonização dos dois pastorinhos", explica. "A Nossa Senhora é a rainha da Polónia." Na segunda-feira, quando apanharem o avião de volta para casa (será uma viagem bastante mais curta) vão levar o coração cheio e também uma "enorme quantidade de água benta" com recordação desta peregrinação.

Enquanto decorre a missa da canonização dos três pastorinhos, Emília Ribeiro aproveita para descansar um pouco depois de uma manhã agitada na Casa da Regueifa que fica mesmo ao lado da Basílica nova. Tem várias lojas mas esta, que abriu há um ano, é mesmo a mais próxima do santuário. Na noite de 12 de maio a loja esteve aberta até às 2 da madrugada. No dia 13 abriu logo à às 5 da manhã. "O horário não costuma ser tão puxado, mas esta é uma ocasião especial", diz a dona da loja dos doces tradicionais, que vende também água e outras bebidas aos peregrinos. "Já Apesar de todo o trabalho, na sexta-feira Emília conseguiu escapulir-se por um bocadinho de trás do balcão, tirou o avental branco e foi pôr-se em cima de um escadote para ver passar o Papa: "Já vi todos os papas que aqui estiveram desde que nasci", declara. "Vi o Paulo VI quando era muito pequenina, com apenas seis anos. Depois vi o João Paulo II e o Bento XVI e agora este. Mas mesmo para nós, que estamos aqui em Fátima o ano todo, ver um Papa é uma ocasião especial." A experiência permite-lhe dizer que o Papa Francisco foi talvez aquele que mais pessoas conseguiu reunir mas é difícil dizer: "Ouvi dizer que estão cá um milhão de pessoas. Não sei quantas são, mas são muitas."

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