"Serviço Nacional de Saúde atravessa a pior fase desde a sua criação"
Carlos Cortes entrou para a Ordem pela mão de José Manuel Silva. Há 10 anos que o médico patologista é a cara da Secção Regional do Centro, mas agora quer escalar para o país. Diz que os médicos só "fogem" do público para o privado por causa de uma "enorme desmotivação", que quer ajudar o poder político a combater.
Carlos Cortes apresentou a candidatura a bastonário da Ordem dos Médicos no final de setembro. Aos 52 anos, o médico patologista e atual presidente da Secção Regional do Centro da Ordem está disposto a conquistar o país. Em declarações ao DN, considera que desenvolveu essa atividade nos últimos anos "com grande empenho e dedicação, com muito gosto. É outra forma de ajudar as pessoas. Podemos ajudar de muitas formas, esta é uma delas", afirma.
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"O momento que nós atravessamos é muito delicado e sensível, com muitas dificuldades no setor da saúde. Ainda por cima com possibilidade de se intensificarem, porque, com dificuldades económicas, isso não augura nada de bom para o setor da saúde", sublinha Carlos Cortes -- um dos seis médicos que já apresentaram candidatura a bastonário para as eleições que vão ter lugar a 19 de janeiro, os outros são Jaime Branco (reumatologista e professor catedrático), Fausto Pinto (cardiologista, professor catedrático e diretor da Faculdade de Medicina de Lisboa), Bruno Maia (neurologista do CHULC), Rui Nunes (médico e professor catedrático) e Alexandre Valentim Lourenço (médico ginecologista-obstetra, presidente da Secção Regional do Sul da Ordem).
"E isso faz com que eu queira acrescentar ainda outro contributo: uma vontade de mudança. Gostaria aqui de incutir alguma modernização na Ordem dos Médicos, que terá impacto a nível interno e externo." E, afinal, o que tem faltado para acontecer? Cortes acredita que um conjunto de fatores cruzados. Entrou para a Ordem em 2014, pela mão do bastonário José Manuel Silva, atual presidente da Câmara de Coimbra, e continuou nas funções por influência de Miguel Guimarães. Considera que ambos tiveram um papel muito importante na Ordem dos Médicos, e por isso é deles o exemplo que quer seguir, embora dando outros passos em frente.
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Pondera que nos últimos anos "as pessoas perceberam que a Ordem não é uma instituição corporativa, mas que tem uma missão, que é defender os doentes, defender a qualidade da saúde e dos cuidados de saúde. E eu quero aprofundar esta mudança". E fala, por exemplo, das novas tecnologias, da transformação digital. "A Ordem precisa de entrar nela para estar mais próxima dos seus associados."
Simplificar a Ordem
Carlos Cortes fala de uma estrutura muito complexa, que tem 80 colégios, sobre especialidades e competências diversas, conselhos disciplinares, entre outros, "que necessita de ter uma maior fluidez de funcionamento, nomeadamente a nível interno". Porém, reconhece que esta última década "foi complicada, com imensas dificuldades, com impacto direto sobre a saúde, desde logo a pandemia". Mas antes disso outros fatores fizeram o sistema tremer: "A troika, por exemplo. Isso refletiu-se na [falta de] capacidade de os doentes terem acesso com equidade a serviços de saúde, mas também é preciso não esquecer que, na altura, os médicos foram a profissão que mais perdeu poder de compra". E é por isso que o candidato a bastonário vê a Ordem como "uma instituição com um papel social muito importante, que já desempenhou no passado". Dá como exemplo a ajuda ao SNS através do serviço médico à periferia, que levou milhares de médicos a locais do país que nunca tinham tido cuidados de saúde.

Carlos Cortes, presidente da Seção Regional do Centro da Ordem dos Médicos.
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Carlos Cortes afirma que "estamos a atravessar a pior fase do Serviço Nacional de Saúde desde a sua criação". Aos 52 anos, o médico patologista observa "uma enorme desmotivação dos profissionais de saúde", além de "uma enorme dificuldade dos doentes no seu acesso à saúde, pelo que a Ordem dos Médicos aqui é muito importante para ajudar o poder político a encontrar soluções, para virarmos uma página mais negra da saúde em Portugal".
E afirma ao DN conhecer "muito bem todos os hospitais da região centro, e até os centros de saúde", muitos dos quais visitou várias vezes. E por isso quando lhe falam de desmotivação por parte dos médicos e do abandono do púbico em detrimento do privado, nomeadamente dos jovens que chegam à profissão, enfatiza que a grande necessidade que têm "é de condições para tratarem os seus doentes. Isso é que move os médicos. E estão a deixar de existir essas condições no SNS, e por isso é que ele está a perder os seus médicos. A maior frustração de um médico é fazer o diagnóstico de um doente, saber qual é o tratamento e o caminho que tem de implementar e não ter as condições para o fazer". Carlos Cortes alude a situações várias de burnout entre os médicos, devido ao atraso que tem existido noutras áreas, para lá da medicina geral e familiar (patologias oncológicas, neurológicas, cardiovasculares e outras especialidades), em que os profissionais não estão a conseguir ainda dar a resposta adequada aos seus doentes. "E isso desmotiva." Essa é, para ele, a principal razão para os médicos saírem do SNS. E também fala na importância de lhes serem dadas condições de dignificação e a revisão das carreiras médicas, que considera muito importantes não só no setor público mas também para o setor privado. Por isso entende que "deveria existir da parte do Ministério da Saúde uma postura diferente em relação a esta matéria, e mesmo um relacionamento diferente com os médicos, que não tem existido nestes últimos anos". Aliás, Carlos Cortes afirma mesmo que "nos últimos anos o ministério esteve de costas voltadas para todos os profissionais de saúde, e é preciso aqui algum reconhecimento. Se calhar, é necessário abordar uma relação nova, um diálogo com este novo Ministério da Saúde".
Natural de Lisboa, licenciou-se em Medicina pela Universidade de Coimbra. Atualmente é diretor do Serviço de Patologia Clínica no Centro Hospitalar do Médio Tejo, que junta os Hospitais de Torres Novas, Abrantes e Tomar.
"Sempre soube que queria ajudar, que queria apoiar as pessoas, os mais fracos, ajudar a combater as desigualdades. Isso foi sempre uma questão que me perturbou muito, desde adolescente", conta ao DN. Há 10 anos aceitou o convite de José Manuel Silva e tornou-se o rosto da Ordem em Coimbra. Agora quer tornar-se a cara da instituição a nível nacional.
dnot@dn.pt