Mais de mil queixas por mês apresentadas na Esquadra de Turismo
Para além da Esquadra de Turismo, o DN foi conhecer também as ações de prevenção da polícia junto dos turistas que chegam ao aeroporto e na zona de Cascais.
Esquadra de Turismo de Lisboa. Vieram de "muito longe", do "outro lado do mundo", da Austrália, para viverem uma experiência inédita na Grande Lisboa, ao serem vítimas de um crime sem rosto. Umas mãos "invisíveis" levaram o tablet de Lucy, de 54 anos, do interior da mochila, que ia colocada nas costas. Nem Lucy nem o marido, Max, viramuma sombra sequer. Foi coisa de profissionais. "Aconteceu no comboio para Sintra. Fiquei um pouco chocada. Não estava à espera disto, não numa cidade como Lisboa", desabafou a turista australiana, que o DN encontrou, com o marido, a apresentar queixa na Esquadra de Turismo de Lisboa, na quarta-feira. "A agente disse-nos que já iam em mais de oito mil queixas aqui este ano. Incrível. O que se passa, estes roubos aqui já são normais?", perguntava a australiana.
O número exato foi depois avançado à equipa do DN no local: 8148 queixas desde janeiro - a maioria por furto de carteiras - o que dá uma média superior a mil queixas por mês. O quádruplo do que acontecia há uma década, quando havia uma média de 200 denúncias por mês. Em todo o ano de 2016 foram 7697 as denúncias na ET (segundo dados oficiais do comando de Lisboa).
Tendo noção do impacto do turismo na cidade e nos seus arredores (vilas de Cascais e Sintra, por exemplo), sobretudo nos três meses do Verão, a PSP desenvolve ações específicas no aeroporto de Lisboa e outras enquadradas na operação Verão Seguro, nas quais aborda os visitantes estrangeiros com conselhos de segurança e números úteis para onde podem ligar em caso de emergência. Ações que são recebidas com genuína admiração pelos estrangerios: a maioria não tem no seu país um departamento da polícia virado para o turismo, outros espantam-se com a abordagem simpática dos agentes no aeroporto, na zona das Chegadas, ou em Cascais,na Rua Direita ou na Boca do Inferno.
Na Esquadra do Turismo, situada no Palácio Foz, na Praça dos Restauradores, em Lisboa, "em dias concorridos a fila de pessoas chega à rua", como explicou o chefe Paulo Augusto. No atendimento, garantido 24 horas, estão quatro agentes em permanência e um chefe, com o domínio de pelo menos uma ou mais línguas estrangeiras (inglês, francês e espanhol estão entre as básicas, mas há ainda quem fale italiano e um agente que está a fazer o curso de mandarim).
O mundo inteiro atravessa aquelas portas. Em duas horas da manhã de quarta-feira, o DN encontrou ali espanhóis, japoneses, franceses, alemães, australianos, noruegueses. Em comum, tinham todos o facto de terem sido vítimas do mesmo crime: o furto de carteiras.Alguns foram roubados na primeira hora na cidade, outros no primeiro ou no segundo dia ou na primeira noite. Nenhum deles soube situar o momento exato em que aconteceu: acham que foi na paragem do elétrico, numa esplanada, na rua, num bar. Não viram nada. À Esquadra de Turismo chegam também denúncias por roubos (quando é exercida violência).
Os polícias do atendimento aproveitam para dar algumas dicas sobre Lisboa aos viajantes, o que também desanuvia o ambiente. A agente Mónica aconselhou o casal australiano a provar a "ginjinha" tão típica de Lisboa. E também lhes explicou que "os carteiristas são profissionais, fazem dois meses aqui e depois andam por outras cidades europeias". Furtam carteiras " como por magia".
Entre os queixosos que chegam, há quem não consiga disfarçar a mágoa por ter sido vítima de umcrime numa cidade como Lisboa. Este parece ser sempre o facto mais inesperado: haver crimes numa cidade postal tão tranquila. "Já estive em vários países, como a China, Nova Zelândia, América do Sul e do Norte e em nenhum desses sítios, me roubaram a carteira. Também já tinha estado em Lisboa há uns anos e era tudo pacífico. Agora talvez os carteiristas sejam mais profissionais", lamentava Rosati Daniel, um francês de 56 anos, que veio passar três dias em Lisboa com a mulher. Rosati apresentou queixa por furto de carteira na terça-feira, dia em que chegou. Um dia depois, tinha sido recuperada: foi entregue à polícia mas já sem o dinheiro, apenas com os documentos e os cartões. "Perdi 500 euros que trazia na carteira. E o pior é que assim que vim apresentar queixa anulei os cartões. Estou sem dinheiro nenhum". Quando reconstitui os passos que deu, Rosati não tem nenhuma revelação. "Bebi umcopo na praça Martim Moniz, fui até à Praça da Figueira almoçar num restaurante da rua dos Correeiros. Pousei a mochila no chão. Só me levantei uma vez e a minha mulher ficou atenta. Quando ia pagar a despesa, já não tinha a carteira no saco". Foi feito o contacto coma Embaixada de França, que o ia ajudar com os documentos furtados.
Roubados na primeira hora em Lisboa
Perplexos. Foi neste estado que encontrámos o casal jovem norueguês Camilla e Cristopher. "Fomos roubados na primeira hora em Lisboa", contou Camilla. "Foi há bocado, antes das 10.00 da manhã. Tínhamos deixado as malas no hotel, na rua do Comércio. Fomos passear para o Terreiro do Paço e sentámo-nos numa esplanada, a ver o Tejo. Eu tinha a carteira dentro da minha mochila. Quando fui pagar já lá não estava", contou Camilla, que, ainda assim, estava bem disposta e a relativizar o que aconteceu, tal como o seu namorado. "São coisas que acontecem", dizia Cristopher, encolhendo os ombros. "Não levaram o meu telemóvel, fiquei muito feliz por isso", acrescentava Camilla. "Levaram algum dinheiro, dois cartões de crédito, mas não há problema porque temos mais cartões". Depois da queixa apresentada iam disfrutar dos cinco dias de férias em Lisboa.
Felizes de estarem na capital portuguesa estavam os catalães Miguel Font, de 59 anos e Marta Marti, de 55, que moram a cerca de 20 quilómetros da vila de Ripoll, na zona de Barcelona, o lugar onde viviam os terroristas do atentado das Ramblas. "Já estávamos em Lisboa quando houve o atentado, a 17 de agosto", contou Miguel. "Viémos à esquadra porque fomos roubados na paragem do elétrico 15, na Praça da Figueira. Levaram a carteira, onde tínhamos os documentos, cartões e 95 euros", conta Marta, que deixou uma crítica ao policiamento lisboeta: "Não se veem polícias fardados nas paragens dos transportes".
O casal francês Chloé e Laurent, de 30 e 29 anos, foram queixar-se de furto de telemóvel. "Foi ontem à noite, pelas 20.30, no Mac Donalds do Rossio. Eu tinha uma pochete com o telemóvel lá dentro. Terá sido na fila para pagar que o levaram porque estava muita gente", contou Chloé, satisfeita por ter, pelo menos, agentes que falam francês para receberem a sua denúncia: "Em França não há esquadras de turismo".
Aeroporto. "Na Venezuela a polícia revista bagagens"
No aeroporto de Lisboa está previsto que o ano acabe com "um fluxo astronómico de 26 milhões de passageiros". O subcomissário Ricardo Dias,c omandante da Esquadra da Divisão de Segurança Aeroportuária da PSP, lembra também que, em agosto, "estamos com 110 mil passageiros por dia no aeroporto". A polícia não tem mãos a medir no recinto. De uma forma aleatória, a PSP realiza ações de sensibilização junto dos passageiros que chegam a Lisboa, para lhes entregar pulseiras onde estão inscritos os números da Tourist Police Station (Esquadra de Turismo de Lisboa) e o da emergência (112), uma etiqueta com os mesmos números para colocar na bagagem e um folheto com conselhos úteis (em português, inglês, francês e castelhano): saber como evitar os carteiristas quando andar na rua ou nos transportes públicos, evitar o furto de bens do interior da viatura ousaber como agir se for roubado.
No dia em que o DN acompanhou a ação, estavam quatro agentes (duas mulheres e dois homens) a entregarem o material aos passageiros, com um sorriso e cumprimentos em inglês. Um casal que vinha da Venezuela, Stephanie, de 21 anos, e Carlos, de 27, estava genuinamente admirado com a iniciativa policial. "These are good cups" (Estes são bons polícias), dizia Carlos para o DN, explicando porque essa receção lhe parecia tão insólita. "Estamos habituados a que a polícia nos receba no aeroporto de Caracas mas não de uma forma positiva. Tratam-nos como criminosos. A polícia verifica os nossos telemóveis, abre a bagagem sem pedir por favor e ainda nos pergunta onde vivemos. E se tivermos dinheiro connosco pergunta-nos como obtivémos o dinheiro", conta o jovem. Stephanie fala em "ambiente tenso e de perseguição" no seu país. O casal estava a viajar para Londres. Ia parar umas horas em Lisboa em escala. Vindos da capital da Venezuela, mergulhada em protestos há meses - e onde já morreram 124 pessoas - a tranquilidade do aeroporto Humberto Delgado deve-lhes ter parecido surreal. "Sabemos que a situação em Portugal é totalmente diferente. Aqui vocês têm polícias amigos", dizia Carlos, enquanto aceitava uma pulseira de tecido no pulso colocada por uma agente. "Temos amigos que têm insistido para virmos a Lisboa, pelo menos para um fim de semana e ainda viremos", garantiu Stephanie.
O subcomissário Ricardo Dias garante que uma das "frentes de combate" que têm no aeroporto é "a proteção ao turista". "Temos aqui os agentes da Unidade Especial de Polícia mais direcionados para a prevenção do terrorismo e para a inibição de qualquer ilícito criminal. Os nossos elementos da Esquadra de Segurança Aeroportuária (ESA) abordam os viajantes, distribuem o folheto e perguntam à pessoa se vai ficar em Lisboa ou se faz apenas escala .Tentamos sensibilizá-los para se prevenirem dos carteiristas. E fazemos recomendações de segurança: para nunca deixarem malas ou outros bens pessoais à vista nos carros alugados, terem atenção às malas e mochilas quando fazem passeios nas zonas turísticas, e terem o cuidado de colocar a mochila à frente quando entram no metro ou no elétrico".
A agente Marta Freitas, de 29 anos, veio do Porto e está na ESA há dez anos. É com naturalidade quecontacta com viajantes. "Falo inglês, francês e espanhol.Gosto deste contacto com os turistas. Os ingleses são os que mais apreciam ficar com este material informativo". Numa hora e meia os agentes distribuíram 200 pulseiras, 200 etiquetas e 200 folhetos. Algumas foram para emigrantes que chegavam para férias em Portugal, como Carlos, que veio com a família de Toronto, no Canadá. "Acho bem que entreguem estas coisas, assim um gajo fica informado se tiver alguma emergência. Mas já vim algumas vezes a Lisboa e nunca fui roubado nem enganado", gracejou.
O jovem alemão Michael, que chegou num voo low cost com um amigo para passar três dias em Lisboa, não tinha qualquer ideia feita sobre a capital portuguesa mas ficou surpreendido com a ação policial. "Não sei se é uma cidade segura, embora penso que seja pacífica. Vamos ver", ria-se, enquanto aceitava o material das mãos de um agente.
A Divisão de Segurança Aeroportuária, tem 244 agentes no total, 105 deles na ESA. Muitos elementos da ESA têm experiência em falar várias línguas, desde o italiano, francês , inglês, espanhol, russo ou alemão. "Selecionámos polícias com muitos anos de serviço, alguns deles participaram em missões internacionais e são uma mais valia no domínio de línguas difíceis como o russo. A língua base que todos falam na esquadra é o inglês", adianta o subcomissário Ricardo Dias.
Cascais. "Não deixem as malas à vista na caravana"
Em toda a Grande Lisboa só a capital e a vila de Cascais (a meia hora de carro) têm esquadras de turismo. A de Cascais é comandada pela subcomissária Angelina Pereira, que reside no sossego de Mafra mas trabalha na vila turística todos os dias. Foi com ela e com os agentes Cédric Vasconcelos (nascido em França, fala francês) e Paulo Reis (fala inglês), que o DN foi fazer um périplo pela Boca do Inferno, Rua Direita e Praia de Carcavelos, para ver o trabalho policial desenvolvido no Verão junto dos turistas. Partimos com um número em mente, avançado pelo comandante da Divisão da PSP de Cascais, Nuno Silva: "Cascais tem 1,3 milhões de pernoitas anualmente, o que representa um impacto anual na economia do concelho de 350 milhões de euros". O turismo é "constante" ao longo do ano com um "afluxo maior no Verão". "Em 2016 registámos em Cascais cerca de 470 processos crime por queixas na Esquadra de Turismo e neste momento vamos com 321. A maior parte são por furtos", adianta o oficial.
A aposta no Verão é na prevenção em zonas mais concorridas, como o parque de estacionamento da Boca do Inferno, que muito tem preocupado a subcomissária Angelina por causa de alguns furtos no interior dos carros feitos por bandos. "Não deixem as malas à vista na caravana e prendam bem as bicicletas", apelou, em inglês, o agente Paulo Reis para uma família da Lituânia que tinha acabado de sair da autocaravana, com duas crianças, de três e seis anos. "É a primeira vez que viemos a Portugal . Nem pensamos em segurança quando falamos deste país tranquilo. Viemos atraídos pela natureza, o mar, os penhascos", diz Linas Ceikus, enquanto prende melhor a bicicleta, como pediu o polícia. Depois d percorrer o país, iriam seguir para Marrocos "onde a possível insegurança já nos preocupa".
A fotografar as rochas escancaradas ao mar, o jovem casal italiano Irene e Francesco, foi abordado pela polícia com os conselhos básicos. "Em Itália, a polícia também faz estas ações de prevenção", diz Irene. "Estamos a passar duas semanas de férias em Portugal, que vemos como um país seguro e fácil de conhecer". Francesco contou que a rota iria incluir Cascais, Lisboa, Óbidos, Porto e Algarve.
Na praia urbana da Conceição, em Cascais, o francês Thomas estava a passar férias pela terceira vez em Portugal, com a mulher Marine, quando foi abordado pelos agentes para ter cuidado com os pertences. "Trabalhei quatro meses em Lisboa e nunca fui vítima de furto nem tive problemas", disse Thomas. Na Rua Direita, a Baixa de Cascais, a PSP abordou dezenas de franceses, que parecem estar em maioria por ali. "Eu venho várias vezes a Portugal em trabalho e já é a segunda vez que visito o vosso país em férias. Estamos alojados em Lisboa e viémos passear a Cascais", contou Sylvain, acompanhado da mulher, enquanto recebiam umas pulseiras em tecido e uns folhetos. "Em França, a polícia faz ações pontuais no metro e é tudo". Em Portugal "sentimo-nos seguros", diz Sylvain, que reside no sul de França, perto de Marselha.
Na praia de Carcavelos, o DN viu em ação dois agentes das Equipas de Intervenção Rápida (EIR) que levaram um jovem para ser identificado, por ter sido apanhado, em flagrante, a furtar uma toalha de praia das vendedoras que se encontram no túnel que dá acesso à praia.A toalha foi logo devolvida e o jovem ficou referenciado. Naquela praia, o patrulhamento da EIR é diário, por ser frequentada por bandos suspeitos.