"Faço o que gosto e as pessoas gostam das minhas palhaçadas"

Os youtubers são jovens, passam a vida ao computador e ganham bem. Retrato dos líderes de uma nova geração que deixam CR7 a milhas...

Diga 3,8 milhões. "3,8 milhões!" Não é assustador? "[risos] Já não, agora já não. Mas no início, sim, era muito assustador. Não estava à espera destas proporções, de algo assim tão gigante", conta ao DN Anthony Sousa, 24 anos. Por este nome poucos o conhecem. SirKazzio é o seu nome de guerra. É muito provável que os seus filhos ou netos lhe possam explicar de quem se trata.

Licenciado em Gestão de Turismo pela Universidade de Aveiro, onde reside, Anthony, ou SirKazzio, é o Mourinho do YouTube: o mais influente de todos, o que tem mais seguidores e mais vídeos vistos. À hora a que estas linhas estão a ser escritas, o seu canal na rede social tem 3 888 132 subscritores. É natural que, quando estiver a ler este texto, o número já tenha subido. Quanto ao número de visualizações, elas superam os 736 milhões.

No paralelismo futebolístico invocámos Mourinho e não Cristiano Ronaldo. Não foi por acaso. O planetário CR7, já com quatro Bolas de Ouro conquistadas, não vai além da nona posição entre os youtubers mais influentes do país, com pouco mais de 610 mil seguidores. A léguas (a mais de três milhões...) de distância da liderança.

Qual a razão para esta loucura? O próprio SirKazzio não sabe responder: "Não faço ideia. Faço o que gosto de fazer e as pessoas parece que gostam das minhas palhaçadas", brinca. SirKazzio entrou neste mundo já andava na faculdade. "Comecei por hobby e já muito tarde em relação à maior parte dos outros youtubers. Adorava jogar Minecraft [um videojogo de plataformas e construção] e ia dizendo piadas à medida que ia jogando. E pronto, as pessoas começaram a gostar, a divertir-se e a juntarem-se ao canal." Tudo simples. Tão simples que hoje faz do YouTube a sua profissão. "Nunca procurei isto como se fosse um emprego, foi mesmo por acaso", conta ao DN este jovem que recorda os tempos em que era "um miúdo tímido que não conseguia expressar-se muito bem, com alguma dificuldade em socializar". O computador, o canal e as "palhaçadas", como lhe chama, ajudaram a "aumentar a capacidade argumentativa" e, reconhece, a mudar a imagem dos youtubers.

"Há muita gente que acha que nós somos uns mandriões, não queremos saber dos estudos, só queremos jogar e estar em frente ao computador. Não é verdade. Eu sou licenciado e não sou o único. Há mais gente com licenciatura e até com mestrados. Há gente que tem o seu próprio emprego das nove às seis", sublinha.

Não é o seu caso. "Acordo à uma ou às duas da tarde para preparar tudo e começar a trabalhar para o dia e planear o dia seguinte. É preciso ter ideias, procurar coisas, preparar o cenário, gravar, editar os vídeos, que às vezes demoram muitas horas, e colocar no YouTube", explica.

O retorno é simpático, reconhece. "Não ganho um valor fixo mensal, porque depende do número de visualizações dos meus vídeos, mas um mês normal bom pode render cerca de dois a três mil euros." Fora presenças, participações especiais e patrocínios.

Sem surpresa, os pais renderam-se às evidências. "Eles não acreditavam muito nisto, queriam é que eu fizesse o curso. Mas depois, quando perceberam que com isto eu conseguia valores para o meu sustento, finalmente perceberam."

"Falar de dinheiro é sempre um bocadinho redutor", afirma Miguel Raposo, que, com Pedro Silveira, lançou a Be Influence, a empresa que gere a carreira de cerca de 40 youtubers portugueses, entre outras figuras públicas, como atores, manequins e músicos. "E é redutor porque, se é verdade que eles podem ganhar muito dinheiro, também têm muito trabalho. Não podem falhar. Por exemplo, se vão uma semana de férias, têm de deixar vídeos feitos para todos esses dias." O agente acrescenta ao DN que "é difícil chegar ao topo, mas é ainda mais difícil ficar lá. Basta que não alimentem o canal durante dois ou três dias para serem precisos meses para recuperar". Miguel Raposo esclarece que o trabalho da empresa é a "gestão integrada da carreira dos youtubers, sem que eles deixem de ser quem são". "Sabemos o que queremos para eles, a que feiras queremos levá-los, que programas de televisão são adequados para eles aparecerem. Tudo o que eles fazem é pensado ao pormenor", afirma. Nada acontece ao acaso.

Mas foi um acaso, um computador, "ainda com o Windows 98", recebido do pai aos 5 anos, que traçou o destino de Paulo Borges, hoje com 21. No YouTube responde pelo nome de Wuant e tem mais de 1,1 milhões de seguidores. O que faz, não duvida, "é arte" e os seus vídeos já foram vistos mais 238 milhões de vezes.

Tinha 12 ou 13 anos quando entrou no YouTube. Era (e é) jogador de Counter-Strike, um dos mais populares videojogos do planeta. Ali, o objetivo é matar. Paulo fez do jogo, das piadas e das histórias que conta enquanto joga, a sua forma de vida. Hoje é o quarto youtuber mais seguido em Portugal e isso deixa-o orgulhoso. "Prefiro não ligar muito aos números, prefiro fazer as minhas cenas", começa por dizer. Mas, logo a seguir, foge-lhe a boca para a verdade. "Quando cheguei aos cem mil seguidores, achei que era o top, que não conseguiria mais. Era muito estranho ter tanta gente ali a ver um tipo a jogar e a dizer umas piadas." Quando chegou a um milhão de seguidores, nem queria acreditar. "Chorei, chorei. Chorei de felicidade. Não consigo entender como isto aconteceu."

Isto é... tudo. O alcance, a fama, a forma de vida, o dinheiro. "Sei que me tornei uma celebridade", admite. Tanto que "há gente que chora" quando o vê. "Raparigas e até rapazes, que choram de nervos. Eles estão habituados a ver-me atrás do ecrã, é natural. Eu adorava a princesa Leia, do Star Wars, que era interpretada pela Carrie Fisher, que morreu recentemente. Se tivesse tido oportunidade de a ver ao vivo provavelmente não chorava, mas não sei que reação teria."

A vida de Paulo Borges é passada à frente de um computador. "Sim, são muitas horas, umas 14 ou 15, talvez". Uma profissão, afinal de contas, embora o youtuber prefira considerar-se um entertainer. "Eu faço o que um apresentador de televisão faz, interajo com pessoas."

A parte criativa é com eles, mas, como nota Miguel Raposo, "eles não percebem de comercial". "Somos nós que fazemos os contactos com as marcas, os briefings, que lhes damos proteção, que os potenciamos." O sócio da Be Influence garante que "o futuro passa por aqui e há cada vez mais marcas atentas a esta tendência e a esta forma de comunicar", mas reconhece que outras "têm receio de investir porque não os conhecem". "O nosso trabalho é dizer às marcas: "Se me pagar x, garanto 400 mil views em 24 horas." E isso obviamente tem valor."

O mundo é deles. Rui Lourenço, especialista em comunicação digital, arrisca dizer que "os youtubers são os opinion makers do futuro" [ver entrevista à parte]. Paulo Borges, Wuant, graceja: "Sim, somos uns nerds. Mas eu costumo dizer que somos uns nerds atualizados, não temos óculos de massa."

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