Projeto da Nova dá solução a uma das maiores ameaças ambientais
Usados em frigoríficos ou ares condicionados, os gases fluorados têm um impacto até 23 mil vezes maior do que o C02 no efeito estufa. Projeto europeu coordenado pela Universidade Nova apresenta tecnologias inovadoras para reciclar eficientemente estes gases.
Gases fluorados, também conhecidos por f-gases. Uma boa parte dos leitores poderá nunca ter ouvido falar deles, mas permitam-me que os apresente: são um grupo de substâncias químicas que contêm flúor e começaram a ser utilizadas em sistemas de refrigeração, desde eletrodomésticos (frigoríficos, congeladores) a refrigeradores industriais ou aparelhos de ar condicionado, como substitutos do tristemente "famoso" CFC (clorofluorcarbono), banido a partir de finais da década de 1980 devido aos danos alarmantes que provocava na camada de Ozono. Os f-gases foram então eleitos como uma alternativa energeticamente eficiente, sem efeitos na camada de ozono e seguros para os utilizadores. A má notícia? Os gases fluorados são dos mais poderosos gases de efeito estufa e têm um impacto até 23.000 vezes maior do que o dióxido de carbono (CO2).
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A dimensão da ameaça para o aquecimento global, com o aumento da emissão destes gases calculado em 140% entre 2005 e 2020, levou a União Europeia a apertar a legislação com o objetivo de reduzir em 79% o consumo de gases fluorados até 2030. E no atual contexto de seca persistente que afeta especialmente as regiões do sudoeste europeu (em que Portugal se integra), com uma cada vez maior frequência de incêndios de maior gravidade, a investigação sobre alternativas que contribuam para a redução das emissões destes gases tornou-se da mais alta prioridade.
Foi com esse propósito de reduzir o impacto ambiental dos f-gases que nasceu o KET4F-Gas, um projeto europeu coordenado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade NOVA de Lisboa (FCT NOVA), cujos resultados serão apresentados na sexta-feira (dia 17) num webinar. Lançado em 2018 com um financiamento de 1,7 milhões de euros, chega ao fim neste mês de setembro com resultados promissores para a mitigação desta ameaça, tendo desenvolvido "tecnologias inovadoras para separar e reciclar eficientemente f-gases no fim do ciclo de vida dos equipamentos de refrigeração e ar condicionado", conta ao DN o investigador João Araújo, da FCT NOVA.
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Na Europa, apenas 1% destes gases são recuperados no final do seu ciclo de vida, apesar de existirem unidades de reciclagem. "Isto significa que existe uma ampla gama de possibilidades para melhorar a recuperação e reutilização destes compostos, integrando-os no mercado de economia circular. Além disso, a reciclagem seletiva é fundamental para reduzir a dependência da indústria em relação a refrigerantes com elevado potencial de aquecimento global, reduzir os preços e aliviar a pressão na cadeia de mercado", refere.
Ora, do ponto de vista científico, capturar e reciclar gases fluorados é um desafio tecnológico. "As misturas de refrigerantes são desenhadas para se comportarem praticamente como compostos puros, com o objetivo de aumentar a eficiência dos ciclos de refrigeração. Isto pressupõe que os métodos tradicionais de separação, como a destilação, não são eficazes para o seu tratamento", explica.
Para superar esta dificuldade, a equipa do KET4F-Gas desenvolveu dois protótipos de baixo custo baseados em chamadas Tecnologias Facilitadoras Essenciais (TFE"s) como nanotecnologia, materiais avançados e processos de separação avançada, que permitem recuperar gases fluorados com valor acrescentado (como o R-32) de misturas de refrigerantes com alto potencial de aquecimento global (por exemplo, a mistura comercial R-410A) presentes em equipamentos em final de ciclo de vida, para depois serem reutilizados em novas misturas de refrigerantes mais amigas do ambiente e com baixo risco de aumento do efeito estufa. "No fundo, trata-se de decompor misturas altamente nocivas e reaproveitar alguns gases para formar outros compostos mais verdes".
O destino dos gases fluorados em fim de vida é uma das maiores preocupações e ameaças para o aquecimento global. O "desconhecimento da sociedade" e um "grande peso do mercado negro" levam a que seja difícil controlar o risco da emissão destes gases para o meio ambiente e vincar as vantagens que decorrem de uma adequada gestão destes compostos. "O problema não é tanto de legislação, que existe, mas mais de fiscalização, que é muito difícil", diz João Araújo, lembrando que "cerca de 90% dos frigoríficos que chegam aos postos de gestão de resíduos já não têm o compressor, muitas vezes "vendido em sucatas ou outros mercados ilegais para aproveitamento do cobre, que é valioso". Mas quando isso acontece, os gases são libertados para a atmosfera.
Por isso, campanhas de sensibilização junto da sociedade (sobretudo escolas) fizeram também parte deste projeto. "É importante que quando uma pessoa tiver um frigorífico em fim de vida do qual se livrar, se lembre de recorrer a técnicos de recolha certificados". O impacto ambiental de não o fazer é o anunciado no início deste texto: 23000 vezes maior do que o do CO2.
O projeto KET4F-Gas criou ainda uma ferramenta online gratuita "que permite de maneira ágil e intuitiva, classificar os resíduos de acordo com o método europeu, oferecendo dados relevantes sobre a sua composição, tipos de misturas em que se encontram os F-gases e o seu nível de impacto ambiental, bem como as tecnologias que estão disponíveis para a recuperação dos componentes das misturas selecionadas", diz João Araújo, que salienta as vantagens que o projeto representa para uma indústria em que "as empresas têm uma clara necessidade de implementar uma economia circular neste setor para cumprir a legislação em vigor e aumentar a sua competitividade". A revolução verde também passa por aqui.