Ensino Superior: aumenta o número de docentes e investigadores precários
Estudo do Sindicato do Ensino Superior (SNESup) conclui que, no ano letivo de 2018/2019, 43% dos docentes exerciam a sua atividade com vínculos precários. No que se refere aos investigadores, o número aumenta para cerca de 80%.
O universo de docentes e investigadores com contratos temporários - alguns assinados de semestre a semestre - é cada vez mais expressivo e tem vindo a aumentar gradualmente desde 2007, segundo o estudo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (2007-2022) - Contributos para uma revisão fundamentada, encomendado pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup).
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Ao DN, Mariana Gaio Alves, presidente do SNESup explica o que levou à necessidade da realização do estudo. "Diz a lei que o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES) deve ser objeto de avaliação cinco anos após a sua entrada em vigor. Publicado em 2007, devia ter sido objeto de avaliação em 2013. Já passaram 15 anos desde a publicação da lei e nunca foi avaliada. É neste contexto que surge a necessidade deste estudo que contém a análise de dados essenciais", explica. A responsável adianta ainda estar a decorrer uma ação em tribunal interposta pelo SNESup por não ter sido feita a referida avaliação do RJIES .
O estudo a que o DN teve acesso e que é hoje apresentado publicamente, explana várias conclusões consideradas alarmantes por parte do SNESup. Além do elevado número de docentes e investigadores precários, está a ser utilizada de forma "abusiva a figura de professor convidado".
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"O que está a acontecer é que a figura de professor contratado - criada para que profissionais das mais variadas áreas pudessem dar o seu contributo pontual na formação dos alunos - está a ser usada para contratar pessoas que não têm outra profissão que não seja a de professor. Contudo, todos os anos colaboram com as instituições e alguns por vários anos. Temos, atualmente, 43% dos docentes em situação laboral precária e entre 75 % a 80% de investigadores em iguais condições", refere.
A precariedade levanta ainda outras questões. Segundo Mariana Gaio Alves, a taxa de participação dos docentes e investigadores nas eleições dos órgãos internos é baixa. "Como há cada vez mais precários, aquilo que observamos é que as instituições tomam decisões com cada vez menor participação de docentes e não-docentes o que é preocupante", sublinha. "Os resultados do estudo confirmam que o modelo de funcio- namento decorrente da publicação do RJIES resultou num enfraquecimento da democracia nas Instituições de Ensino Superior e Ciência. (...) É notório que as taxas de participação nas eleições para os Conselhos Gerais são marcadas pelo aumento progressivo das taxas de abstenção, que têm sido superiores a 50%, desde 2009", pode ler-se no documento.
"Estamos a desviar fundos do setor público"
O estudo refere também que "as taxas de participação seriam ainda mais baixas se tivessem por base a totalidade de professores e investigadores a exercer a profissão em Portugal".
"Por um lado, nem todas as instituições incluem nos cadernos eleitorais os professores convidados e outros contratados precariamente (...), por outro lado, estão igualmente excluídos do universo de votantes cerca de 5300 investigadores que, embora utilizem nas suas referências pessoais a ligação à Instituição de Ensino Superior, trabalham na órbita formal de uma das 63 instituições de I&D privadas sem fins lucrativos", pode ler-se no documento.
Mariana Gaio Alves explica que muitos docentes a exercer funções em universidades e politécnicos públicos estão vinculados a instituições privadas sem fins lucrativos. "O que se deveria fazer é aumentar a responsabilidade efetiva do Estado no financiamento das Instituições de Ensino Superior públicas, extinguindo a possibilidade da sua organização em fundações públicas de direito privado. Estamos a desviar fundos do setor público. Fica aqui um espaço confuso entre o que é público e privado", sustenta.
A sindicalista salienta ainda outra das conclusões do estudo, referente à composição, competência e funcionamento do Conselho Geral das universidades. Segundo Mariana Gaio Alves, o anúncio de maior abertura à sociedade, que acompanhou o RJIES, "traduz-se, afinal, na participação de membros externos dos Conselhos Gerais, que são maioritariamente profissionais de topo da Administração Pública, das empresas, do poder político e do campo académico". É preciso rever as funções que estas pessoas desempenham e que têm nas decisões institucionais. Estão a tomar decisões estratégicas. Não são profissionais da área e não têm o conhecimento suficiente", conclui.
O estudo Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (2007-2022) - Contributos para uma revisão fundamentada termina dizendo ser "muito preocupante concluir que a reorganização sistémica do governo e o funcionamento das Instituições de Ensino Superior e Ciência promovida pelo RJIES tenham contribuído, significativamente, para suprimir valores fundamentais da democracia nessas instituições". "Estes dados permitem-nos, assim, afirmar que a revisão do RJIES, mais do que um imperativo legal, é hoje um imperativo nacional inadiável", pode ler-se no resumo final do documento.
dnot@dn.pt