"Defendo um processo único quando a criança é vítima de crime"
Fernando Silva, advogado e professor de Direito Penal, critica a divisão entre processo-crime e regulação do poder paternal
Um pai que abusou de um filho ou filha menor pode ter a responsabilidade parental regulada noutro processo e ficar com direito de visitas aos filhos. "Devia haver um processo único nos casos das crianças vítimas de crimes por parte dos pais", defende o penalista Fernando Silva, especializado em direito da família e menores. Com dois escritórios, nas Caldas da Rainha e em Lisboa, Fernando Silva tem trabalhado em muitos processos de crimes contra menores ao longo dos anos e critica essa "falta de articulação entre os processos-crime e os de família e menores".
"Esta é uma questão gritante. Há orientações da União Europeia para haver um processo único nestes casos. Não faz sentido um pai andar a ser investigado por abusos sexuais de uma criança e, no âmbito do processo da regulação do poder paternal, o tribunal de Família e Menores obrigar a criança a receber visitas do pai", explica.
Nestes casos há sempre um "confronto de princípios", entre a presunção da inocência do pai e o superior interesse da criança, nota. "O facto de ainda não haver cruzamento entre os dois processos provoca uma duplicação de meios. O Ministério Público tem um procurador no processo-crime, e outro na regulação do poder paternal, há também um juiz no processo-crime e outro no processo de menores. Se adicionarmos a isto o problema da morosidade da justiça, vemos o prejuízo que representa para as partes."
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Convém lembrar que já se deram alguns passos nesse sentido, mas apenas no campo da violência doméstica. Um diploma do PS já publicado obriga a que, no prazo máximo de sete dias, fique decidido provisoriamente o poder paternal em casos em que esteja a decorrer um processo de maus-tratos conjugais. Segundo a lei, o exercício em comum das responsabilidades parentais pode ser prejudicial aos interesses do filho se "for decretada medida de coação ou aplicada pena acessória de proibição de contacto entre progenitores".
Fernando Silva, que é também professor de Direito Penal, entende que "deram--se poucos passos nos últimos anos para uma Justiça mais eficaz. Fez-se a reforma mas faltam magistrados e faltam funcionários". O advogado considera que, ainda assim, "foram dados passos significativos, como o Citius. Trata-se de um sistema informatizado que agora está a funcionar bem e traz celeridade aos processos".
Mas a justiça "continua morosa". "Por exemplo, uma pessoa tem um litígio com uma seguradora e pensa: "Vou pagar um balúrdio de taxa de justiça inicial - porque a justiça é cara nessa fase - e vou estar anos para receber o dinheiro. Então prefiro receber metade e fazer um acordo." A seguradora é quem tira proveito disto. É que se o cidadão prejudicado levar o caso a tribunal sabe que só ao fim de cinco ou seis anos é que poderá vir a ser indemnizado."
Tal como o estado da Justiça, o ritmo de progresso do país também é lento, na sua opinião. "Portugal evoluiu na última década mas "não saiu de uma crise onde já está mergulhado há 50 anos". "Estamos melhor do que no tempo da troika a nível subjetivo, houve algum alívio da carga fiscal e sente-se que as pessoas estão a viver melhor. Mas com troika ou sem ela, com maior ou menor crise, temos de olhar para o país e pensar no que é que temos que os outros não têm. E temos muito: sol e mar em quase todo o país e que se pode aproveitar para sinergias do turismo com a saúde e com a educação, por exemplo. São esses projetos que é preciso desenvolver." Os indicadores de aumento da compra de casas e de carros são, na sua opinião, meros "balões artificiais".
O advogado Fernando Silva sempre olhou para o espaço europeu como curto, face às possibilidades que Portugal podia cultivar. "Devíamos ter aproveitado os nossos contactos privilegiados com os países de língua oficial portuguesa (PALOP), particularmente com o Brasil, e não soubemos fazer. Olhamos para as ex-colónias como olhávamos há 500 anos. As pessoas que conhecemos que vão para Angola e Moçambique partem com a mentalidade de que vão enriquecer e logo voltam. Essa atitude gera um choque com os países que nos recebem. Devíamos ter aproveitado para estreitar laços na cultura, ensino, saúde, etc."
A ligação muito estreita com esses países, considera Fernando Silva, persiste vai muito para além do que é a comunidade europeia. "O Brasil tem uma população do tamanho da Europa inteira, onde se estuda Fernando Pessoa e Luís Vaz de Camões."
Os erros cometidos por Portugal na Europa foram de olhar para a União Europeia como fonte de solidez económica, argumenta. "Mas é impensável que Portugal possa sair da União Europeia. Temos de ficar e de continuar a acolher refugiados. Nós, que durante 40 anos nos expandimos por todo o mundo, temos a obrigação moral de saber acolher os outros. Não altera o nosso bem-estar. Não vamos propriamente acolher terroristas e alimentar o terrorismo.