Cinco padres foram afastados por suspeitas de abusos sexuais

Dioceses de Guarda e Braga anunciaram esta sexta-feira o afastamento de um padre cada e juntam-se às de Évora e Angra, que afastaram um total de três. Diocese de Lisboa deverá anunciar medidas esta sexta-feira.

Cinco padres já foram afastados pelas respetivas dioceses portuguesas na sequência da lista de suspeitos de abusos sexuais enviada pela pela Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.

As dioceses de Guarda e Braga anunciaram esta sexta-feira cada uma o afastamento de um padre por suspeitas de abuso sexual de menores, seguindo o exemplo das de Évora e Angra, que anunciaram a suspensão cautelar de um total de três sacerdotes.

"Por razões cautelares, enquanto se desenrola o processo de investigação prévia, o sacerdote em causa fica temporariamente afastado das suas atividades pastorais, sem que isto possa ser entendido como uma assunção de culpa ou prejudique, de alguma forma, o direito à presunção de inocência", informa a diocese da Guarda, citada pela agência Ecclesia.

Segundo a diocese, o padre já tinha sido alvo de denúncia anónima, o que terá sido comunicado ao Ministério Público pelo bispo da Guarda, Manuel Felício, adianta a Ecclesia.

A diocese manifesta o "firme propósito de dar todo o apoio a qualquer vítima" que possa ser identificada, acrescentando que, em relação a este padre tem "os elementos necessários para fazer o processo canónico de investigação prévia", que será posteriormente enviado ao Dicastério da Doutrina da Fé, bem como será comunicado ao Ministério Público.

O bispo tem o direito, desde a abertura da investigação prévia, de impor medidas cautelares - que são um ato administrativo -, entre as quais o afastamento ou proibição de exercício público do ministério.

Também a Arquidiocese de Braga afastou preventivamente um padre "do exercício público do ministério sacerdotal", apesar de lhe ter sida enviada uma lista de oito nomes pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.

Além do padre afastado, três já faleceram; um "não corresponde a nenhum sacerdote da Arquidiocese de Braga, nem se encontra nos arquivos da Arquidiocese qualquer referência a seu respeito; um foi "alvo de um processo civil, tendo sido absolvido"; "um corresponde a um sacerdote que foi alvo de um processo canónico por abuso sexual de menores já concluído e que resultou na aplicação de medidas disciplinares em vigor"; e um outro "corresponde a um agente pastoral, que por falta de elementos de identificação não foi ainda possível identificar".

Segundo a Arquidiocese de Braga, "a decisão cautelar de afastar preventivamente o sacerdote em causa não prejudica o princípio da presunção de inocência", tratando-se "de aplicar as linhas orientadoras de ação da Igreja em matéria de abusos sexuais de menores, em conformidade com o Vade-mécum sobre procedimentos relativos a casos de abuso sexual de menores cometidos por clérigos".

Na quarta-feira, a diocese de Angra, nos Açores, e a arquidiocese de Évora, anunciaram a suspensão cautelar de três sacerdotes, enquanto decorrem investigações sobre alegados casos de abuso por eles praticados.

Em comunicado, a arquidiocese de Évora informou que o arcebispo, Francisco Senra Coelho, recebeu na passada sexta-feira, da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica em Portugal dois nomes de sacerdotes diocesanos alegadamente envolvidos em casos de abusos.

"O primeiro deles morreu há alguns anos. O processo considera-se extinto. O segundo nome não trazia nenhuma informação complementar e a investigação efetuada nos arquivos diocesanos não encontrou nenhuma denúncia ou inquirição prévias", revelava o comunicado, acrescentando que o arcebispo "solicitou de seguida à Comissão Independente eventuais dados suplementares que permitissem iniciar a investigação".

Por sua vez, a diocese de Angra, que também suspendeu dois padres, através de um comunicado do seu bispo, Armando Esteves Domingues, revelou que, da lista que lhe foi entregue "constam dois nomes: um sacerdote de São Miguel e outro da ilha Terceira".

"O bispo diocesano já falou com ambos e, em conjunto, acordaram que os sacerdotes em causa ficarão impedidos do exercício público do ministério até ao final do processo de investigação prévia, que já foi iniciado na diocese e de acordo com as normas canónicas. Igualmente seguirá a participação ao Ministério Público", acrescentava o comunicado.

Diocese de Lisboa deverá medidas esta sexta-feira

Também a Diocese de Lisboa deverá anunciar esta sexta-feira uma decisão sobre as denúncias de abusos sexuais na igreja identificadas pela Comissão Independente, disse esta quinta-feira o bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar.

"Isso significa que se a comissão disser que as pessoas A, B e C devem ser afastadas do exercício público do ministério, elas serão", afirmou.

Questionado pelos jornalistas sobre a suspensão preventiva de sacerdotes, o prelado explicou que os documentos oficiais do Vaticano dizem que não deve ser usada a expressão "suspensão", porque implica uma pena e um processo, mas que na prática, para entendimento do cidadão comum, é o que acontece.

O bispo auxiliar de Lisboa defendeu que não podem fazer-se juízos, nem decisões sem respeitar os preceitos do Estado de Direito.

Estas iniciativas das dioceses surgem na sequência do trabalho da Comissão Independente (CI) para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, que validou 512 testemunhos, apontando, por extrapolação, para pelo menos 4815 vítimas. Vinte e cinco casos foram enviados ao Ministério Público, que abriu 15 inquéritos, dos quais nove foram arquivados.

Os testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, o espaço temporal abrangido pelo trabalho da comissão.

No relatório, divulgado em fevereiro, a comissão alertou que os dados recolhidos nos arquivos eclesiásticos sobre a incidência dos abusos sexuais "devem ser entendidos como a 'ponta do iceberg'" deste fenómeno.

A comissão entregou aos bispos diocesanos listas de alegados abusadores, alguns ainda no ativo.

Bispo de Viseu já sabia quem eram os cinco sacerdotes indicados pela Comissão Independente

O bispo de Viseu, António Luciano Costa, admitiu esta quinta-feira que já tinha conhecimento dos nomes dos cinco sacerdotes da diocese indicados pela Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica.

"Todos estes já eram do meu conhecimento e já tinham sido tratados segundo as normas aplicáveis, quer a nível canónico, quer a nível civil, tendo também sido entregues ao Ministério Público", referiu o bispo, em comunicado.

António Luciano Costa manifestou a sua "comunhão na dor com todas as vítimas de abusos cometidos por membros da Igreja Católica" e comprometeu-se "a continuar a acompanhar e a dar as melhores respostas".

"Em nome de toda a diocese, renovo o pedido de perdão a todas as vítimas de qualquer abuso na Igreja e expresso o compromisso de todo o cuidado e apoio às mesmas, empenhando-me no acompanhamento e prevenção, continuando a 'dar voz ao silêncio'", sublinhou.

Marcelo desiludido com Conferência Episcopal

O Presidente da República declarou-se desiludido com a resposta da Conferência Episcopal Portuguesa ao relatório sobre abusos sexuais de menores na Igreja Católica Portuguesa e defendeu uma reparação das vítimas.

Em entrevista à RTP e ao Público, previamente gravada no Palácio de Belém e divulgada esta quinta-feira à noite por estes dois órgãos de comunicação social, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que "foi uma desilusão a posição da Conferência Episcopal", considerando que foi tardia e "ficou aquém em todos os pontos que eram importantes".

"Como Presidente da República a expectativa que havia era tão simples: era ser rápido, assumir a responsabilidade, tomar medidas preventivas e aceitar a reparação. E de repente é tudo ao contrário, em termos gerais, ou cada um para seu lado", lamentou.

O chefe de Estado sugeriu que agora a Conferência Episcopal Portuguesa faça "uma reflexão complementar para reencontrar o caminho que se perdeu nestes 20 dias".

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, a estrutura que reúne os bispos das dioceses em Portugal ficou desde logo "aquém no tempo", pela demora em reagir publicamente ao relatório final da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa.

"Ficou aquém ao não assumir a responsabilidade -- para mim é o mais grave", prosseguiu o Presidente da República. "Como é que não responde a Igreja Católica por atos praticados por quem que, além de invocar o múnus da fé, é representante de uma Igreja, certificado, legitimidade, mandatado para a sua missão pastoral? Como? É incompreensível", considerou.

No seu entender, a Conferência Episcopal Portuguesa "ficou aquém ao não tomar medidas preventivas relativamente àqueles que se encontram envolvidos na investigação criminal".

"Pois se há bispos que transferem priores por causa de questões de dinheiro, de guerras locais, de questões de comportamentos, num caso de abuso sexual qual é a hesitação?", questionou.

Para o Presidente da República, a Conferência Episcopal também "esteve aquém quanto à reparação" das vítimas. "Como não entender? Não é que se diga que se pode reparar uma vida estragada. Há danos morais que respeitam a bens tão elevados que se sabe mesmo nos tribunais em relação ao direito criminal aplicável que isso não consegue reconstituir aquilo que foi destruído. Mas compensa", argumentou.

"Ora bom, a Conferência Episcopal passou ao lado destes problemas todos. E isso a mim como Presidente da República preocupa-me imenso porque a Igreja é uma instituição fundamental na sociedade portuguesa, na educação, na saúde, na solidariedade social, nas misericórdias e IPSS, faz falta ao país", acrescentou.

Interrogado se a Igreja Católica falhou, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: "Não, a Conferência Episcopal, porque a Igreja é o povo de Deus como um todo. A Conferência Episcopal, não sei se os bispos todos, porque houve bispos que perceberam, mas quem falou em nome da Conferência Episcopal a meu ver criou enorme desilusão, não é nos católicos, eu nem falo como católico, eu evito falar como católico, embora saiba que me conotam como católico. Eu como católico seria mais contundente ainda".

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