Charlie chama: bombeiros ao posto de vigilância
Cinco dias depois do início de um dos mais violentos incêndios em Portugal, que já fez 64 vítimas mortais (até ontem foram identificadas 44) o tempo começa a ser de rescaldo. O DN acompanhou o pelotão do Exército, que no cimo da aldeia do Carvalho vigia a serra. Lá em "baixo" nas povoações, há escolas que já reabriram, mas também casas que são assaltadas
Praças, sargentos e oficiais do Exército saíram dos quartéis com destino à serra, para operações de vigilância e rescaldo aos fogos. No cimo do Carvalho, em Góis, 26 homens vigiam um lado e outro da montanha. Controlam os fumos e pequenas labaredas, mas se estas voarem mais alto chamam os bombeiros - o que chegou a acontecer. Estes militares pertencem ao setor Charlie, que o DN ontem acompanhou.
Chegaram de manhã de Vendas Novas, do Regimento de Artilharia n.º 5, para fazer o rescaldo dos fogos. Para Góis e Pampilhosa da Serra, os concelhos onde os incêndios estiveram mais complicados a partir meio da semana, veio um pelotão: 139 homens e 20 viaturas. Explica o capitão Silva, que coordena as operações a nível regional, que estão divididos em seis setores: Alfa, Bravo, Charlie, Delta, Eco e Foxtrot.
O alferes Rui Rodrigues, 29 anos, coordena os trabalhos no local. "Estamos a vigiar todo este vale e, ao mínimo reacendimento, temos a capacidade de lá chegar rapidamente e apagar. Se começar a arder com mais intensidade, comunicamos ao centro de operações, que, posteriormente, comunica aos bombeiros. Não estamos vocacionados para o combate."
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Uma estrutura de 1-3-22, um oficial, três sargentos e 22 soldados. Vigiam a serra que circunda a aldeia do Carvalho, em Pampilhosa da Serra. Um elemento em cada um dos lados com um binóculo, mais outros operacionais com funções distintas em alerta. É que se há manchas ardidas, também há muitas árvores verdes de pé. São estas que, agora, precisam de ser protegidas.
Um reacendimento pode ser atacado com a água de extintor dorsal, um abafador ou a terra que lhe atiram para cima com a pá. Enxadas, machados e foições são outros dos equipamentos que usam para criar uma faixa de contenção. "Retiramos o mato, ramos caídos, o entulho, para evitar que se desloquem para cá as chamas." Abrem uma vala entre o que ardeu e o que resta, evitando assim novos focos de incêndio.
Jovens formados e contratados
O alferes Rui Rodrigues tem um mestrado em Ensino e Educação Física, deu aulas durante o estágio, a única vez que realizou o seu trabalho de sonho. O Exército surgiu como segunda oportunidade, também "pelo exercício" e por sentir que está a "cumprir uma missão e a servir o país."
Natural do Funchal, Madeira, acabou por ficar na estrutura militar. Está a entrar no segundo de seis anos do contrato, que já sabe que não vai ser renovado. Comanda uma equipa, todos eles mais novos e também contratados por igual período. Daniel Perdigão, 25 anos, é um dos quatro condutores, militares com quem Rui Rodrigues tem especial cuidado, não os colocando nos pontos de vigia que operam 24 horas por dia. "Podemos ter de sair de repente, andamos em estradas de terra batida, o meu principal objetivo é manter os meus homens em segurança."
Daniel é de Coruche e está a terminar o contrato. "Vou fazer cinco anos como contratado, estive os dois primeiros como serralheiro, depois tirei a carta de condução de pesados." Gostaria de continuar na carreira militar e pondera concorrer para outras forças. Caso contrário, uma "carta de pesados dá para fora [ do Exército]". "É como em todo o lado, há pessoas que gostam e outras que não gostam. Eu felizmente gosto." E também ele sente que está a cumprir uma missão, sobretudo nestes dias em que ajuda diretamente as populações. "É um ambiente triste, mas estávamos preparados pelo que vimos nas notícias antes de vir para aqui. O problema são os nervos quando há situações mais complicadas."
Diogo Branco, 21 anos, sargento contratado, é de Setúbal e vive durante a semana em Vendas Novas. Tal como Daniel, tem o 12.º ano. Veio para a vida militar cumprindo um sonho de rapazinho. "Tentei as tropas especiais, fui para os Comandos, depois lesionei-me e vim para o Exército. Em primeiro lugar, gosto da disciplina, o que tem a ver com a educação que a minha mãe me deu. Fui ensinado com disciplina, tinha de fazer tudo em casa. Sempre quis vir para a tropa, gosto das suas principais características: disciplina, rigor, atavio [bem vestidos e aprumados] e educação física."
Nota-se que o Diogo "puxa ferro" no ginásio militar, além de ler e estudar nos tempos livres. "Estudamos praticamente todos, para concorrer para uma estrutura militar no fim do contrato."
Burro do mato
Quarenta horas em vigilância permanente - se não for mais - com turnos durante a noite. Tenta-se que cada um dos homens descanse seis horas, o dobro do que o alferes Rodrigues conseguiu na primeira noite.
Dormem numa estrutura de seis pés, em cima da qual colocam uma lona, a que chamam "burro do mato", camas de campanha transportadas nos camiões, que ficam nos locais onde vigiam. Desta vez, não tem sido preciso usar as refeições de combate, enlatados preparados para aquecer e outros alimentos, com o necessário para três refeições.
"Temos sido muito bem tratados e comido bem", diz Rui Rodrigues, minutos antes de almoçar, o que ontem aconteceu às 16.30. Comem, no quartel dos Bombeiros Voluntários de Pampilhosa da Serra, sopa e carne guisada com ervilhas, batatas e cenoura, que estão alimentar os operacionais no concelho." E como explica o voluntário Hugo Miguel, "a mesa está sempre posta e há sempre gente a entrar".