15 setembro 2016 às 10h15

Campolide vai pagar lixo reciclável... em moeda "local"

Junta de Freguesia vai entregar notas de valor equivalente a um euro, que só podem ser usadas no comércio tradicional, por cada quilo de material reciclável

Susete Francisco

São 3500 notas de produção própria, numeradas, marcadas com o selo branco da freguesia. Chamam-se "lixo" e vão servir para isso mesmo: por cada quilo de lixo reciclável que os habitantes de Campolide entregarem em pontos de recolha próprios vão receber uma dessas notas - de valor equivalente a um euro - para gastar no comércio local. Ressalva, desde já: os valores são simbólicos e "há um limite para cada transação".

André Couto, presidente da Junta de Freguesia de Campolide, diz que a campanha que vai agora ser lançada - e que está a ser preparada há mais de um ano - nasce da "preocupação relativamente à higiene urbana" na freguesia e da necessidade de "fazer alguma pedagogia" nesta matéria. Conjugando isso com a "crise do comércio local por causa das grandes superfícies", nasceu esta "moeda local" e a ideia de, simbolicamente, retribuir o contributo dos habitantes da freguesia para a reciclagem. Um pequeno "benefício" para quem já o faz e, esperam os responsáveis da campanha, um "despertar" para quem ainda passa ao lado da separação do lixo.

Como vai funcionar

Na freguesia vão estar instalados vários pontos de recolha de lixo, sobretudo materiais recicláveis. Leia-se papel, vidro ou pilhas, por exemplo. Em dias estipulados quem entregar o lixo nestes pontos recebe uma nota - um "lixo" - por cada quilo entregue. Se o material for reciclável recebe duas notas por quilo. A nota será válida nos estabelecimentos locais que aderiram à iniciativa - cerca de 70, até agora - e que posteriormente serão reembolsados (em dinheiro real, entenda-se) pela Junta de Freguesia. "Nunca irá envolver, individualmente, valores astronómicos", sublinha o autarca socialista. Em termos mais precisos, haverá um limite ao número de quilos de lixo reciclável "pagos", e ninguém vai juntar "mais de 20 euros" em notas da junta.

A campanha aposta sobretudo no "simbolismo", diz André Couto ao DN, sublinhando que "o objetivo passa por sensibilizar as pessoas". A campanha vai igualmente passar pelas escolas e pela universidade sénior da freguesia.

O projeto está em preparação há cerca de um ano e, se demorou todo este tempo, foi sobretudo para acautelar as questões de segurança. As notas "não são de fácil contrafação", garante o autarca, sublinhando que cada exemplar é numerado e leva o selo branco da Junta de Freguesia - e só existem dois exemplares deste "carimbo". Para além disso, cada estabelecimento comercial que aderiu à iniciativa designou uma pessoa específica para efetuar as trocas com a Junta. Acresce ainda que as notas são feitas num papel "pouco comum" e plastificadas.

O projeto não tem um prazo definido: "Vai depender muito da recetividade que tiver. Vamos lançar agora esta primeira "leva", depois veremos.".

Mudar comportamentos

A reforma administrativa de Lisboa descentralizou para as Juntas de Freguesia, em 2012, muitas das competências que pertenciam à autarquia, em matéria de higiene urbana. André Couto defende que o espaço público da cidade ficou a ganhar, até porque, dada a maior proximidade com as populações, as juntas "sentem-se muito mais pressionadas" a manter o espaço público limpo. Mas há questões inultrapassáveis, defende o autarca, sublinhando que para manter o espaço público limpo é preciso "conseguir mudar o comportamento de uma parte da população, que ainda tem hábitos bastante precários em termos de higiene urbana". Nomeadamente quanto aos dejetos caninos, um dos principais problemas de higiene nas ruas da capital: "É muito complicado. Tem sido uma batalha minha que as Juntas de Freguesia passem a poder punir quem não cumpre a lei. As juntas têm a competência de limpar, mas não de punir".