Bruno Maia: "Estou farto de ter uma Ordem dos Médicos conservadora e elitista"

O candidato a bastonário entregou a meio de novembro a candidatura, subscrita com 700 assinaturas. Aos 40 anos, o neurologista e intensivista do São José diz-se "farto de uma Ordem que mais parece um country club elitista" e mostra-se apostado em defender os médicos mais precários.

Bruno Maia tem 40 anos e é natural de Gondomar. Médico desde 2006, especializou-se em Neurologia e Cuidados Intensivos. Primeiro escolheu neurologia, por ter "um fascínio pelo cérebro", depois a medicina intensiva por gostar muito da sua prática, da doença aguda, e juntou as duas especialidades numa só. Atualmente trabalha no Hospital de São José, em Lisboa.

Porque é que decidiu candidatar-se à Ordem dos Médicos?
Porque estou farto de ter uma Ordem dos Médicos que é conservadora e profundamente elitista. E tem tido uma postura ao longo das últimas décadas de proteger sempre os seus elementos mais fortes, esquecendo por vezes aqueles que são os seus mais vulneráveis. Por isso gostava de inverter a filosofia que tem predominado na Ordem dos Médicos. Em primeiro lugar porque é um reduto do conservadorismo em Portugal - toda a gente sabe disto - e já o manifestou em várias ocasiões da nossa história recente, no referendo ao Aborto, nos direitos das pessoas LGBT+ e das pessoas racializadas; tem tido uma postura bastante conservadora em relação às mulheres e na relação das mulheres com a medicina e também na questão da morte assistida. Em suma, é uma Ordem alheada daquilo que tem sido a evolução da sociedade portuguesa.

Quando diz que tem tido uma postura muito conservadora, protegendo os seus elementos mais fortes, a que se refere, concretamente?
Refiro-me não só ao nível disciplinar como também no que respeita às políticas de saúde. E eu penso que a Ordem tem que passar a preocupar-se sobretudo com os médicos mais jovens, mais precários e mais vulneráveis; com as mulheres médicas que estão muitas vezes em posição de desvantagem. Elas continuam a ser a esmagadora maioria dos médicos e, não obstante, continuam a estar afastadas das direções dos serviços. E tudo isso tem de mudar. Sobretudo para abrir caminho e mostrar [na Ordem nos Médicos] que é possível uma outra Ordem.

Mas parece-lhe que existe essa abertura? Será que a Ordem que temos tido não é um reflexo desse conservadorismo latente?Pode
ser ou não, no que se refere aos médicos mais velhos. Mas o que eu vejo e sinto é que as novas gerações são diferentes. Sinto-o porque dou aulas e colaboro muito com a Associação Nacional de Estudantes de Medicina e outras organizações, e o que sinto é outra realidade, uma geração muito mais aberta, moderna, virada para o século XXI, com uma postura da prática da medicina distinta. As novas gerações já não estão dispostas a aceitar exercer a prática médica com esta filosofia de sacerdócio e missão que as gerações mais velhas nos ensinaram.

O quer quer dizer com filosofia do sacerdócio?
É por causa dela que nós hoje somos tão explorados e estamos tão alienados daquilo que são os nossos direitos laborais, que impõe uma filosofia de hierarquia, de submissão, várias coisas que as novas gerações já não estão dispostas a suportar. Estão antes dispostas a lutar pelos seus direitos laborais, a ter um horário de trabalho decente, e a não serem exploradas com horas extra sobre horas extra. E o que eu quero é abrir caminho para furar a bolha, para que quem dirigiu a Ordem dos Médicos nos últimos anos perceba que o clima não lhe é muito favorável.

Como é que se combate a misoginia, a transfobia e o racismo perpetrado por alguns médicos nos serviços de saúde?
Respondo de duas formas. Primeiro como é que não se combate: enfiando a cabeça na areia, que é o que a Ordem tem feito, quando nós falamos de discriminação, argumentando que temos um conselho deontológico que a proíbe, logo, ela não existe. Mas ela existe, e está provado que existe. Já há estudos em Portugal que provam que há racismo nos cuidados de saúde, assim como há homofobia e misoginia. Como é que se combate? Assumindo a realidade. Se há nas outras profissões também há na nossa, é preciso assumir que a descriminação existe e tomando atitudes para a prevenir. É preciso avançar para campanhas de prevenção e informação junto dos próprios profissionais de saúde, dos utentes, e também com medidas corretivas - dando capacidade aos conselhos profissionais da Ordem para sancionarem os profissionais que tenham atitudes discriminatórias.

Propõe mesmo uma comissão, no programa...
Sim, é preciso avançar para isso. Uma comissão que possa produzir um relatório anual, para nós sabermos exatamente o que é existe nos serviços de saúde.

No que respeita à situação laboral dos jovens médicos, na sociedade civil fica a ideia de que estão a enveredar pelo privado porque o Serviço Nacional de Saúde não lhes dá condições. O que pode fazer a Ordem para alterar ou inverter esse processo?
A ordem tem um papel que é defender as carreiras dos médicos. É assim desde o tempo do Estado Novo. Uma das atribuições é a defesa da qualidade da prática da medicina. E eu acho que a Ordem tem que deixar uma mensagem bem clara: a qualidade está ligada às carreiras dos médicos, correndo o risco de se degradar se estas não evoluírem. Por isso defendo médicos com carreiras valorizadas, do ponto de vista não só dos salários, mas sobretudo da evolução que lhes permita serem avaliados. E ao mesmo tempo uma carreira que lhes permita a atividade de ensino e de investigação, que também é muito importante. E que os médicos que assumem funções de gestão sejam bem formados pela Ordem. A carreira tem de garantir estas dimensões todas.

Porque é que os médicos devem optar por si e não por outro candidato?
Eu acho que sou a única opção para quem quer ter uma Ordem dos Médicos diferente. É inegável que tem de haver uma Ordem mais próxima dos médicos em situação mais vulnerável, mais precários, sem especialidade, dos médicos de família, dos internos e dos mais jovens. Eu acho que é fundamental que a Ordem tenha esta filosofia daqui para a frente e deixe de ser um clube elitista, reservado a uma bolha, que mais parece um country club do que uma plataforma de defesa da profissão.

dnot@dn.pt

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG