Belém acolhe 'Manguito' em semana de tempestades: na TAP, na Luz e no universo Trump
Sábado, 1 de abril
Milhares saíram à rua em sete cidades do país, pelo direito à habitação, considerando que o pacote de medidas anunciado pelo governo será incapaz de resolver o problema de quem não consegue encontrar casa a um preço/renda acessível. Dias antes, em Setúbal, uma outra manifestação mobilizou o setor do Alojamento Local, que encara as opções do governo como um ataque direto à propriedade privada e se diz cansado de servir de bode expiatório para uma crise que não é de agora e só se tem agravado. Ou seja: o Mais Habitação não satisfaz ninguém e, pior, transmite a ideia de que nada vai resolver.
De que vale apontar o dedo aos proprietários se, depois, o Estado é dono de centenas de imóveis degradados que não reabilita para poderem ser a casa de alguém? Como é possível que sejam exigidas somas exorbitantes a alunos por um quarto quando em muitas cidades funcionam quartéis cada vez mais vazios face ao atual desinteresse dos jovens pelas Forças Armadas? Como é que se facilitam vistos a imigrantes para responder à falta de mão-de-obra, se depois estas pessoas chegam a Portugal e não encontram uma habitação digna e que possam pagar, acabando alguns a dormir na rua ou em abrigos?
São várias as contradições que reforçam uma certeza: o governo acordou demasiado tarde para a crise na habitação e o problema não vai desaparecer tão depressa. Mais cedo ou mais tarde, irá pagar o preço político. E enquanto isso, milhares de famílias - as que conseguirem - terão de continuar a pagar uma fortuna só para terem um teto.
Domingo, 2 de abril
Pálido, rouco e ainda vulnerável no seu estado de saúde, um dia após ter alta hospitalar na sequência de uma bronquite infecciosa, o Papa Francisco presidiu à celebração do Domingo de Ramos, alertando precisamente para a situação dos mais vulneráveis, "cristos abandonados", "deixados à própria sorte", que foi identificando perante cerca de 60 mil fiéis na Praça de São Pedro: "os migrantes", os "reclusos rejeitados" e outros que são "descartados de forma elegante", como "recém-nascidos, idosos deixados sozinhos, doentes não visitados, pessoas portadoras de deficiência, jovens que sentem dentro de si um grande vazio sem que ninguém escute o seu grito de dor". O Papa, de 86 anos, aproveitou também para agradecer as "orações" pelo seu estado de saúde. Na véspera, ao deixar o hospital Gemelli, Francisco puxou pela boa disposição para falar à comunicação social: "Ainda estou vivo!"
Segunda-feira, 3 de abril
Com perto de dois metros de altura e 70 quilos, a escultura Manguito, de Carlos Oliveira, nasceu como "manifesto de descontentamento e indignação pelo desgoverno que estamos a viver", explicou o autor. Às primeiras horas da manhã, a peça foi colocada junto à residência oficial de Marcelo Rebelo de Sousa. E não foi ao acaso. "Escolhi Belém porque é o Presidente que pode dissolver o Parlamento", disse Carlos Oliveira ao Expresso.
Ainda nessa manhã, o artista seria abordado pelas autoridades para remover a obra para outro local e, "após algumas algumas indecisões por parte da Câmara de Lisboa", surgiria um convite feito pela Presidência da República para que o Manguito fosse colocado no Jardim dos Teixos do Palácio de Belém. E assim foi. Gosto de Marcelo pela arte? Provocação ao governo? Ou, leitura inversa, uma forma de proteger o executivo retirando a obra da praça pública e acolhendo-a no recato dos jardins de Belém?
Seja qual for a resposta, este é mais um dos gestos fora da caixa que (também) ajudaram a popularizar Marcelo. Da distribuição calorosa de afetos às reprimendas públicas a governantes, dos apertos de mão constrangedores a chefes de Estado aos numerosos mergulhos públicos sempre que a ocasião o permite, a forma de o Presidente exercer o cargo pode ser muitas vezes imprevisível, mas aborrecida nunca foi.
Terça-feira, 4 de abril
Dia histórico nos EUA. Pela primeira vez, um antigo presidente sentou-se no banco dos réus e foi acusado de praticar crimes. Mais precisamente 34 de falsificação de registos comerciais relacionados com pagamentos (mais de 300 mil dólares) para silenciar três alegados casos extraconjugais que, se viessem a público, o podiam prejudicar nas Presidenciais de 2016. Donald Trump declarou-se inocente.
O 45.º presidente dos EUA não escondeu o desconforto no tribunal. Desta vez não controlava a narrativa. Estava fora da sua zona de conforto - por exemplo, a polícia não lhe segurou a porta quando entrou na Sala de Audiências - e só lhe restava ouvir em silêncio as acusações. Acabou por sair sem medidas de coação e voou imediatamente para o seu resort na Florida, onde discursou perante os seus fiéis dizendo-se vítima de perseguição.
Por outro lado, não perdeu tempo a colocar à venda camisolas com o seu rosto e a palavra "inocente" estampada para arrecadar fundos para a campanha eleitoral em que busca a nomeação republicana para as Presidenciais de 2024. No passado, as acusações criminais e pessoais (adultério) de que foi alvo bastariam para destruir uma carreira política nos EUA (principalmente de um conservador). Mas depois da era Trump, que normalizou a mentira - ou "factos alternativos", como diziam nos seus círculos mais próximos -, transformaram-se em trunfo eleitoral. Na lógica trumpista do "vale tudo" para se alcançar os fins, o contrário é que seria de espantar.
Quarta-feira, 5 de abril
No dia em que Alexandra Reis quebrou o silêncio sobre a sua polémica saída da TAP, fazendo várias acusações à gestão de Christine Ourmières-Widener, a discussão política andou em redor do depoimento prestado na véspera, na Comissão de Inquérito, pela ainda presidente executiva da companhia aérea, que se prepara para contestar judicialmente o "despedimento por justa causa" que lhe foi decretado pelo governo e exigir o pagamento de um bónus de performance (pode chegar aos três milhões de euros).
A gestora francesa chamuscou vários ministros - Fernando Medina, João Galamba e Ana Catarina Mendes foram visados - e juntou à confusão o nome de Marcelo Rebelo de Sousa. A CEO revelou ter recebido, por e-mail, um pedido feito por Hugo Mendes (antigo secretário de Estado das Infraestruturas), em que se referia ao Presidente como "o maior aliado" do governo e sugeria que fosse alterada a data de um voo da TAP para melhor servir a agenda do chefe de Estado (então de visita a Moçambique). A Presidência negou qualquer solicitação nesse sentido. Já o líder do PSD, Luís Montenegro, frisou que Marcelo aparece "aos olhos de membros do governo como um peão do PS ao serviço da sua agenda".
Quanto a Alexandra Reis, antiga administradora da TAP e ex-secretária de Estado do Tesouro, revelou que já tentou devolver a indemnização de 500 mil euros que recebeu da transportadora, mas que, na TAP, ninguém lhe diz qual o montante líquido que deve colocar no cheque...
Quinta-feira, 6 de abril
Enquanto, em França, voltaram a registar-se vários incidentes naquela que foi a 11.ª jornada de protestos contra a revisão da lei das pensões - que, entre outras mexidas, aumenta a idade para a reforma dos 62 para os 64 anos -, na China o presidente francês, Emmanuel Macron (um dos poucos líderes mundiais que no início da invasão russa à Ucrânia conseguiu manter linha aberta com Putin) voltava as suas atenções para Xi Jinping e para o papel que o gigante asiático pode ter nos esforços pela paz.
"Sei que posso contar consigo para trazer a Rússia de volta à razão", disse ao presidente chinês, recebendo como resposta o "compromisso de facilitar as negociações de paz e uma solução política para a crise ucraniana". Discursos pela paz, boas intenções diplomáticas, mas cuja eficácia para, de facto, terminar a guerra é praticamente nula. Como se percebeu pela reação de Dimitry Peskov, porta-voz da presidência russa: "A situação com a Ucrânia é complexa (...). Não há outra solução além de prosseguir com a Operação Militar Especial."
Sexta-feira, 7 de abril
O FC Porto saiu vivo do Estádio da Luz na luta pela revalidação do título de Campeão Nacional. Uma derrota significava 13 pontos de atraso em relação ao Benfica, mas a equipa de Sérgio Conceição, num palco em que nas últimas 21 épocas só perdeu quatro vezes, mostrou fibra contra as adversidades. Ficou em desvantagem no marcador, logo aos 10", mas deu a volta com golos de Uribe e Taremi, impondo aos encarnados a segunda derrota no Campeonato e reduzindo para sete pontos a distância para o rival.
É certo que continua a tratar-se de uma vantagem considerável, tendo em conta que restam apenas sete jornadas para o fim da Liga, mas o facto de o Benfica ainda ter no calendário jogos contra Sp. Braga (em casa) e Sporting (em Alvalade) alimenta a esperança portista numa hecatombe encarnada nesta ponta final.
Além disso, a formação orientada por Roger Schmidt continua em prova na Liga dos Campeões, numa fase já adiantada da competição (quartos-de-final), o que obriga a repartir atenções competitivas (e gestão do plantel) por dois objetivos ambiciosos. Se a equipa não for mentalmente forte, isso pode tornar-se um problema. Já o FC Porto mantém-se em prova na Taça de Portugal, mas as meias-finais com o Famalicão têm um grau de dificuldade menor quando comparado com a Champions.