Assédio moral no trabalho preocupa médicos e FNAM lança guia de informação para os ajudar
Federação Nacional dos Médicos confirma que há "cada vez mais queixas de assédio moral" a chegar ao sindicato e que a realidade faz parte do dia a dia da classe. Por isso mesmo, elaborou um guia de informação para que os médicos saibam quais são as situações que se enquadram neste tipo de crime, como devem proceder e o apoio que podem ter.
O assédio moral no trabalho é algo que faz parte do dia a dia dos médicos". Quem o diz é a médica Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). Segundo conta ao DN, o alerta começou a soar quando muitos profissionais iam ao sindicato para pedir aconselhamento e começavam a relatar situações que configuravam assédio moral. "Era o nosso Gabinete Jurídico que os elucidava de que estavam a ser vítimas deste tipo de situação", explica a médica. Números concretos de queixas não têm, é um trabalho que não está feito, mas o alerta soou na mesma, pela quantidade de situações descritas e porque "o assédio é inaceitável".
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Por isso, a FNAM decidiu avançar com a elaboração de um documento - que define como guia de informação sobre o assédio -, que vai publicar no seu site, para que todos os médicos e médicas fiquem a saber "como agir nestas situações".
Joana Bordalo e Sá diz ao DN que "a esmagadora maioria das situações que nos chegam são de assédio moral, porque assédio sexual, felizmente, quase não existe". De acordo com a médica, "a FNAM decidiu criar este manual de informação sobre assédio no local de trabalho, para informar os médicos sobre como podem identificar este tipo de situação, qual a sua tipologia, com exemplos muito práticos de assédio moral e sexual, e como devem proceder, garantindo desde logo apoio, aconselhamento, proteção e sigilo total".
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Para a líder sindical o tema está a preocupar a classe e é importante que seja abordado com clareza, porque, salienta, "as situações são mais recorrentes do que se imagina, fazem parte da realidade. Antes, as pessoas não tinham noção disto, aceitavam e habituavam-se a lidar com a situação", embora com sofrimento e acabando muitas vezes com burnout, ou por tomar a decisão de sair do SNS ou até da profissão. Hoje já não é assim. "
A classe está mais informada e queixa-se mais". Ou seja, o facto de haver mais queixas não quer dizer que haja mais situações do que antes, quer dizer é que "há uma mudança geracional na forma de encarar o assédio e prosseguir com as queixas". Joana Bordalo e Sá diz ainda acreditar que "o aumento das queixas está relacionado, seguramente, com a degradação das condições de trabalho dos médicos e com a sobrecarga de trabalho". Isto porque, "o assédio moral contribui em grande escala para o mau ambiente de trabalho, para o burnout e é um dos motivos para a saída dos médicos das instituições".
Como refere o documento da FNAM, a que o DN teve acesso, "o assédio é um comportamento contínuo, praticado normalmente pelo empregador ou por um superior hierárquico, manifestamente humilhante, vexatório e atentatório da dignidade, e que tem consequências hostis no/a trabalhador/a."
Mais. "É assédio todo o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado no momento do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador (art. 29.º do Código do Trabalho)".
O guia alerta para o facto de "o assédio no local de trabalho ter repercussões na saúde mental dos médicos" e Joana Bordalo e Sá relembra que "as situações surgem sobretudo do lado das chefias, intermédias ou de topo, e que atingem sobretudo os profissionais mais jovens", mas qualquer médico pode vivenciar uma situação destas. "Muitas vezes nem sequer parte das chefias, mas de um colega que lança uma frase insultuosa e que a vai repetindo ao longo do tempo, provocando sofrimento e humilhação na vítima", explica.
Por outro lado, reconhece que continua a haver "um medo enorme para avançar com as queixas", justificando: "Os médicos não se sentem seguros a usar os canais internos institucionais, nos hospitais ou noutras unidades, para fazer a denúncia e/ou receber a devida proteção, sobretudo quando o assédio é feito por um superior hierárquico, sendo que nos internos é sempre pior, pois sentem-se como o elo mais fraco e têm medo de sofrer represálias".

Presidente da FNAM, Joana Bordalo e Sá, diz que assédio é inaceitável e que a questão tem de ser abordada para se ajudar os médicos.
A médica defende até que as próprias unidades deveriam ter canais seguros de apoio aos profissionais, embora este guia tenha o objetivo de elucidar os médicos sobre como agir e o tipo de apoio que podem conseguir.
As situações de assédio laboral não são novas e estão acauteladas na lei há algum tempo. Aliás, a prevenção do assédio no trabalho, em particular o assédio moral, está reforçada nas alterações introduzidas pela Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, no Código do Trabalho, ao estipular que "é proibida a prática de assédio, em qualquer das suas modalidades, moral ou sexual."
No documento agora divulgado, a FNAM dá conta da dimensão que podem ter situações de assédio, sendo o "isolamento social" um dos principais indicadores, tal como "a não-atribuição, sistemática, de funções efetivas, ou o esconder informações necessárias ao desempenho de funções". A perseguição profissional ou a definição de objetivos com prazos impossíveis de atingir são outras das situações mais relatadas pela classe médica.
O mesmo acontece com casos em que há uma "desvalorização sistemática do trabalho", em que há "a atribuição de funções desadequadas" ou em que são dadas "instruções de trabalho confusas e imprecisas".
Mas não só. No guia pode ler-se ainda que há situações de assédio quando há um "bloqueio contínuo do trabalho", quando "há a apropriação de ideias, propostas, projetos ou trabalhos sem identificar o autor", quando há "intimidação ou ameaças sistemáticas de despedimento" ou quando "o médico é alvo de situações de stress com o objetivo de provocar descontrolo ou humilhação pessoal".
O guia refere ainda que o assédio moral também pode surgir pela forma de "humilhação por características físicas, psicológicas ou outras, pela divulgação de rumores e comentários maliciosos, por críticas sistemáticas em público, por falar aos gritos, de forma intimidatória, ou pela insinuação de problemas mentais ou familiares".
Sobre o assédio sexual, o guia menciona como exemplos as "insinuações sexuais, piadas ou comentários, sentidos como ofensa, sobre o aspeto ou corpo, piadas ou comentários ofensivos de caráter sexual" ou ainda "os contacto físicos não desejados (tocar, mexer, agarrar, apalpar, beijar ou tentar beijar)".
Há ainda outras formas como "a agressão ou tentativa de agressão sexual e o aliciamento, através de pedidos de favores sexuais associados a promessas de obtenção de emprego ou melhoria das condições de trabalho, ou o envio reiterado de desenhos, fotografias ou imagens da internet, indesejadas e de teor sexual, ou telefonemas, cartas, sms ou e-mails indesejados, de caráter sexual".
A presidente da FNAM reforça que "ser vítima de assédio moral ou sexual é uma situação difícil e é importante pedir ajuda". Por isso, sublinha, "os nossos sindicatos estão disponíveis para dar apoio nestas situações".
O documento agora divulgado informa também que quem for vítima de assédio, deve "manter o registo dos factos ocorridos, nomeadamente o local e datas onde ocorreram, o que foi dito ou feito, o que sentiu, quem estava envolvido e potenciais testemunhas, cartas, e-mails e mensagens". Ao mesmo tempo, "não deve falar da sua vida pessoal; [deve] desencorajar o/a agressor/a, tentando ser sempre profissional; manter-se calmo/a; evitar conversar com o/a agressor/a sós, tendo sempre por perto um/a colega de confiança".
O bastonário dos médicos, Carlos Cortes, em entrevista ao DN, publicada na edição de ontem, referia também que a questão do assédio era uma preocupação e uma prioridade. De tal forma, que a Ordem também está a trabalhar no sentido de criar um canal informático seguro para receber denúncias anónimas.
O que diz o documento: O que é o assédio no trabalho?
- O assédio é moral quando se traduz em ataques verbais de conteúdo ofensivo ou humilhante, ou em atos mais subtis, podendo abranger a violência física e psicológica, visando diminuir a autoestima da vítima e, até, a sua desvinculação do posto de trabalho.
- O assédio é sexual quando os comportamentos indesejados são de caráter sexual, como convites de teor sexual, tentativa de contacto físico constrangedor e inoportuno, chantagem para obtenção de emprego ou progressão laboral em troca de favores sexuais e gestos obscenos.
Como identificar o assédio:
- É um comportamento indesejado, representando um incómodo injusto ou mesmo um prejuízo para a vítima. O assédio é um comportamento que tem alguma duração no tempo, não um ato isolado.
- Há uma intenção imediata de exercer pressão moral sobre a vítima;
- Com o objetivo final ilícito, eticamente reprovável, de obter um efeito psicológico de constrangimento desejado pelo assediante.
Que tipos de assédio existem:
- Assédio moral discriminatório, quando o comportamento indesejado se baseia num fator discriminatório, como ascendência, idade, género, orientação sexual, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
- Assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em qualquer fator discriminatório concreto, mas, pelo seu caráter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis.
- Assédio emocional/psicológico, quando o comportamento indesejado acontece através, por exemplo, de animosidade, antipatia, inveja, desconfiança ou insegurança, normalmente com o objetivo de obter um efeito psicológico na vítima.
- Assédio estratégico, quando o comportamento indesejado se traduz numa técnica perversa de gestão, com objetivos estratégicos definidos, muitas vezes como meio para contornar as proibições de despedimento sem justa causa e, por outro lado, como instrumento de alteração das relações de poder no local de trabalho (por exemplo, com o objetivo de levar o trabalhador a aceitar condições laborais menos favoráveis) ou para implementar determinados padrões de cultura empresarial ou de disciplina.
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