Sociedade
06 maio 2021 às 12h38

Vacinas. UE discute no Porto levantamento de patentes

Assunto controverso servido à mesa do jantar, no Porto.

João Francisco Guerreiro, Bruxelas

A cimeira do Porto será o palco do debate europeu sobre um eventual levantamento de patentes das vacinas contra a covid-19. O tema será levado à discussão "na parte informal", no jantar de sexta-feira (7 de maio), avançou fonte oficial ao DN.

Na véspera da cimeira, a presidente da Comissão admitiu a discussão da proposta dos Estados Unidos, para que seja encontrada uma resposta para necessidade de reagir proporcionalmente à dimensão da "crise".

"Trata-se de uma crise sanitária mundial e as circunstâncias extraordinárias da pandemia de Covid-19 exigem medidas extraordinárias", vincou a representante comercial dos Estados Unidos, Katherine Tai, num comunicado em que expressou o "apoio dos [EUA] à isenção destas proteções para as vacinas contra a covid-19".

A tomada de posição, nos EUA, caiu de surpresa, em Bruxelas. E, "no espaço de horas", o assunto tornou-se incontornável, e está "a ser analisado", afirmou a porta-voz da Comissão Europeia, Dana Spinant.

A presidente da Comissão Europeia não é uma defensora do levantamento de patentes, e se o vier a fazer, tal representará uma mudança de posição, em relação ao que veio a argumentar. Admitiu, porém, o debate sobre o tema, considerando que todas as ideias para combater a pandemia são bem-vindas.

"É por isso que estamos preparados para discutir como é que a proposta norte americana, para o levantamento da propriedade industrial das vacinas contra a covid-19, pode ajudar a alcançar esse objetivo", afirmou Von der Leyen, fazendo também referência aos bloqueios nas exportações de vacinas como um dos inimigos da disponibilidade de doses.

Os governos europeus vão levar o assunto à mesa do jantar informal, na "noite de sexta-feira", apurou ao DN. Entretanto, a porta-voz da Comissão Europeia , confirmou que "o tema vai ser discutido pelos líderes no Porto".

Até aqui, a posição na União Europeia tem sido desfavorável ao levantamento de patentes, com o argumento, de que o "problema está nas cadeias de abastecimento", e "numa questão central, que é a capacidade de produção", como afirmou o próprio primeiro-ministro português, António Costa, em março, tento frisado que "nunca na história da humanidade foi necessário produzir um tal número de vacinas num tão curto espaço de tempo".

Mas o tem não é consensual na União Europeia. E, já esta quinta-feira (6 de maio), em sentido inverso, o presidente Francês, Emmanuel Macron veio defender uma posição, assumindo-se "absolutamente a favor" da suspensão temporária dos direitos industriais para a produção das vacinas contra a Covid-19

Desde o início do ano que a África do Sul têm-se destacado apelado ao levantamento de patentes, assim como os países da América Latina. Com uma onda devastadora no país, a Índia - que se reúne ao mais alto nível com a UE, no próximo sábado -, junta-se agora a pedido de suspensão da propriedade industrial, para que as vacinas contra a covid-19 cheguem a todas as latitudes.

A Europa tem vindo a defender as doações para países terceiros e a abertura às exportações. Questionada pelo DN, quando a vacina começou a ser administrada na Europa, sobre a necessidade de haver um levantamento dos direitos de propriedade industrial, Von der Leyen considerou que "o importante é que a União Europeia tenha tomado medidas para que não tenhamos vacinas apenas para a população europeia, mas também para os países da nossa vizinhança".

"Garantimos 2300 milhões de doses de vacina. É suficiente para a população europeia e para a vizinhança. Considero muito importante apoiarmos os países de rendimento médio e baixo. Além das doações em géneros, a Comissão Europeia e os Estados-Membros estamos a financiar a Covax, juntamente com a Team Europe", disse, considerando a UE como "os maiores doadores, com 800 milhões de euros doados à Covax para que no momento em que a Covax tenha acesso às vacinas, possa adquirir essas doses".

"Apelamos a todos os países produtores de vacinas, para autorizarem as exportações e para evitarem medidas que possam desestabilizar as cadeias de abastecimento", defendeu, destacando o papel desempenhado pelas exportações europeias na capacidade mundial para vacinar contra a covid.

"Os envios vão para os nossos aliados próximos, como o Canadá e o Reino Unido. Os nossos queridos amigos britânicos receberam um total de 28 milhões de doses, do continente, até agora. Até 72 milhões de doses foram enviadas para o Japão, e também muitos milhões para os nossos amigos em Singapura, no México, na Colômbia, para referir apenas alguns", afirmou, numa mensagem emitida a partir de Bruxelas numa vídeoconferência universitária, em Florença.

Recorde-se que a presidente da Comissão Europeia admitiu a possibilidade de um levantamento de patentes na sequência do diferendo com a AstraZeneca, devido aos atrasos no fornecimento de vacinas.

Em março, Von der Leyen admitiu que "todas as opções em cima da mesa", respondendo na altura que "não descarta nada", quando questionada sobre o tema, numa altura em que reconhecia a falta de argumentos "para explicar aos europeus" a penúria de vacinas, sendo a UE exportadora em larga escala, para outras regiões do globo.

Entretanto, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel expressou o "total empenho" da União Europeia para "eliminar todas as barreiras que impedem a luta global contra a covid-19".

"Todos os países devem permitir a exportação e evitar a interrupção das cadeias de abastecimento", afirmou, defendendo uma "terceira via" para "desenvolver a capacidade de produção global com o apoio financeiro da UE para os países em desenvolvimento".

O assunto será abordado "no Porto", afirmou o presidente do Conselho Europeu, admitido que "a ideia da isenção de patentes", será incluída na discussão.

Sem se referir à posição assumida pelo aliado norte-americano, que contrasta com o que têm sido afirmado a nível europeu, Charles Michel afirma que "a cooperação multilateral é a chave", considerando que um tratado sobre pandemias, no âmbito da Organização Mundial de Saúde "seria uma ferramenta poderosa"