Sociedade
27 julho 2021 às 21h18

Vacinação e um Marcelo "otimista" pressionam Governo a aliviar medidas

Com o número de novos casos a estabilizar, especialistas apresentaram um plano de desconfinamento em quatro passos, acompanhando a cobertura vacinal, e propostas para alterar a matriz de risco. Governo decide amanhã. Recolher obrigatório pode acabar já.

Com carta branca dos especialistas, consenso entre os partidos e um Presidente da República "irritantemente otimista", o Conselho de Ministros reúne-se amanhã para acertar o que deverão ser as primeiras medidas de alívio às restrições da pandemia. Se o executivo já vinha dando sinais de que é altura de começar a caminhar em direção a uma normalidade que só chegará com a imunidade de grupo da população portuguesa - em finais de setembro, se não houver atrasos no calendário de vacinação -, ontem, a reunião do Infarmed apontou claramente nesse sentido. E, se dúvidas ainda houvesse, o Presidente da República insistiu que a "eficácia" da vacinação abre o horizonte ao alívio de medidas.

O governo remete todas as decisões para a reunião desta quinta-feira, mas, ao que apurou o DN, uma das medidas que vão ser revistas é o recolher obrigatório a partir das 11 da noite. E um outro dado é praticamente certo: as restrições por concelho vão dar lugar a medidas para todo o território. Marta Temido, ministra da Saúde, antecipou ontem a "uniformidade" das regras, dada a predominância da variante Delta em quase todo o país e o número muito elevado de concelhos em que a incidência está acima dos 120 casos por 100 mil habitantes.

Ontem, no regresso das reuniões do Infarmed - que já não se realizavam há dois meses - os técnicos traçaram o plano para a progressiva diminuição das restrições, com quatro níveis que acompanham a taxa de vacinação. O Plano de Redução das Medidas Restritivas, apresentado por Raquel Duarte, da Administração Regional de Saúde do Norte e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, prevê um primeiro nível com uma taxa de vacinação completa entre os 50% e 60% - o patamar em que o país está atualmente com 52% da população vacinada com as duas doses, de acordo com dados divulgados ontem. O nível 2 prevê uma taxa de vacinação entre os 60% e os 70%, o nível 3 até aos 85%. O último patamar, o quarto, prevê uma taxa de vacinação acima dos 85%. Neste nível prevê-se o levantamento de todas as medidas, e poderá acontecer no final de setembro, isto num cenário de cumprimento das metas do plano de vacinação. Em todos os níveis devem vigorar três medidas gerais: ventilação e climatização adequada dos espaços, utilização de certificado digital por rotina nos espaços públicos e a autoavaliação de risco.

Mas há outras mudanças em perspetiva, nomeadamente quanto à matriz de risco. Andreia Leite, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, propôs que o limiar de risco da incidência passe dos atuais 240 para os 480 casos por 100 mil habitantes. Já o limite de ocupação em unidades de cuidados intensivos (UCI) deverá passar das atuais 245 para as 255 camas. A investigadora propôs também a inclusão de indicadores de gravidade clínica e impacto na mortalidade, além da cobertura vacinal.

Numa altura em que a variante Delta representa já 98,6% dos casos de covid-19 em Portugal , André Peralta Santos, diretor de serviços de Informação e Análise da Direção-Geral da Saúde (DGS), avançou que já é possível identificar uma estabilização no número de novos casos, apesar de ainda se verificar uma "tendência crescente dos internamentos e mortalidade". Em relação aos internamentos, avançou um outro dado: "É muito notória a redução de risco de hospitalização - mais de três vezes - se se estiver vacinado." De acordo com este especialista, na semana de final de junho/início de julho, 68% dos doentes internados em enfermaria não estavam vacinados, 30% tinham a vacinação incompleta e apenas 2% tinham já as duas doses da vacina. Já em UCI, estes dados eram de 68% sem vacinação, 27% com a vacinação incompleta e 5% com as duas doses.

Já o coordenador da task force da vacinação, Henrique Gouveia e Melo, afirmou que Portugal poderá receber um milhão de vacinas nas próximas duas semanas, num contexto em que foram recebidas menos 5,4 milhões de vacinas face às previsões iniciais. E avançou que a vacinação dos jovens com menos de 18 anos arranca no fim de semana de 14 e 15 de agosto, abrindo-se, nos dois fins de semana seguintes, aos jovens entre os 12 e os 15 anos. Ou seja, a logística está preparada, faltando agora o resultado da análise da DGS, que deverá ser conhecido nos próximos dias. Mas Marta Temido não deixou muita margem para dúvidas: "No tema da vacinação na idade pediátrica está já clarificada a decisão de vacinação dos 18 aos 16 anos, e está já clarificada também a vacinação dos 12 aos 15 em casos de comorbilidades, que nos vão agora ser listadas pela DGS."

Terminadas as apresentações dos peritos, foi a vez de Marcelo Rebelo de Sousa fazer uma intervenção para se declarar "irritantemente otimista" (uma expressão que habitualmente aplica a Costa)."Eu agora também estou, como diz o senhor primeiro-ministro, um bocadinho irritantemente otimista, houve aqui uma ligeira inversão de posições", disse o Presidente da República, sublinhando que a " vacinação é a chave na vida dos portugueses, e o ritmo a que tem sido processada é excecional". Citando as palavras dos peritos, Marcelo sublinhou que "na maioria esmagadora dos casos as vacinas produzem efeitos" e que isso se verifica "em todas as idades".

Terminada a reunião no Infarmed, as intervenções dos partidos mostraram um raro consenso, da esquerda à direita, num apelo ao avanço rápido da vacinação e ao levantamento das medidas de restrição.

susete.francisco@dn.pt