Sociedade
07 dezembro 2021 às 21h30

Tribunal da Relação defende médico que fez autópsia: "Credibilidade não merece reparos"

O acórdão do Tribunal da Relação aborda a questão da credibilidade de Carlos Durão como perito de medicina legal, refutando os ataques que lhe foram feitos pelos arguidos e afirmando a confiança na sua capacidade técnica, apesar de ter "chumbado" no exame de acesso à especialidade.

Fernanda Câncio

"O Sr. Perito cuja credibilidade não mereceu reparos ao tribunal "a quo" [o tribunal inferior], nem a este tribunal merece". Esta é uma das referências feitas ao médico ortopedista Carlos Durão, que fez a autópsia de Ihor Homeniuk, no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu sobre os recursos interpostos por arguidos, assistente e Ministério Público da decisão do Tribunal Criminal de Lisboa no caso da morte do cidadão ucraniano.

Noutra passagem da decisão, as três juízas desembargadoras que assinam o acórdão chegam até a dizer que Carlos Durão não só tem capacidade para realizar autópsias como está especialmente habilitado para a determinação da causa da morte no caso de Ihor, já que em causa estavam fraturas de costelas: "Não restam dúvidas que não só o Sr. Perito se mostra mais do que habilitado a realizar a perícia que lhe foi pedida como, no caso, dada a área original de atividade médica em que se especializou (ortopedia), dispõe de conhecimentos nesta matéria, que não são igualáveis pelas especialidades de medicina interna e/ou medicina legal apenas."

E relevam o facto de Durão exercer funções de perito no Instituto Nacional de Medicina Legal (INML) "desde 2007 até finais de 2020", tendo aí realizado "mais de 1200 autópsias", apontando também a sua experiência anterior no Brasil (é lusobrasileiro): "Anteriormente, ainda no Brasil, teve muita experiência com lesões e rupturas, no âmbito do serviço que prestou na polícia civil do Rio de Janeiro."

Como é sabido, a falta de credibilidade técnica de Carlos Durão, que além de ter realizado a autópsia de Ihor é também autor da de Valentina (a criança morta em maio de 2020 cujo pai seria, em novembro, condenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra a 24 anos de prisão pelo seu homicídio), foi um dos argumentos mais usados pela defesa dos três inspetores. Esta chamou desde o início - ainda na fase da contestação à acusação do Ministério Público - a atenção para o facto de se tratar de um clínico sem a especialidade de medicina legal, apresentando um parecer de especialistas nesta disciplina a refutar as conclusões da autópsia, apontando vários erros na mesma e aventando que a morte se poderia afinal ter devido a causas naturais.

Já na audiência no Tribunal da Relação, a defesa invocou o "chumbo" de Carlos Durão, noticiado publicamente no início de outubro, nas provas que prestou para acesso à especialidade de medicina legal, acusando-o de "violação das leges artis" (as regras da arte médica) e de violar o artigo do Código Deontológico dos Médicos que estabelece que "um médico não deve ultrapassar os limites das suas qualificações e competências." E requereu que as autoras do citado parecer médico-legal fossem ouvidas pelas três desembargadoras.

Estas, porém, recusaram quer essa audição quer até que as médicas especialistas em medicina legal que elaboraram o parecer para a defesa possam ser denominadas de "peritas": "As Exas subscritoras do dito parecer, não podem, neste processo e dentro destes condicionalismos legais, ser consideradas nem como peritas, nem sequer como consultoras, (...) uma vez que nenhuma delas foi nomeada como perito pelo INML."

O mesmo, porém, frisam as juízas, não sucede "no que se refere à perícia realizada pelo perito designado pelo INML pois, nesse caso (...) o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador sendo que, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência."

E, analisando as objeções e críticas da defesa à perícia realizada por Durão, nomeadamente no que respeita à ausência de radiografias do cadáver e de "exames específicos a órgãos", consideram-nas "sem suporte". Concluindo: "Analisado o relatório de autópsia e os esclarecimentos prestados, não se vislumbram razões para se questionar quer os fundamentos, quer o juízo científico expresso na perícia."

Contactado pelo DN, Carlos Durão regozija-se: "É evidente que o reconhecimento do nosso trabalho em tribunal é algo que todo o médico legista deseja. Eu tenho a consciência tranquila de que cumpri o meu dever. Não é muito difícil perceber que este e outros casos criam 'anticorpos', mas quero continuar a acreditar no valor das instituições. Quem me conhece sabe que continuarei a acreditar no valor da medicina legal para a nossa sociedade e o papel do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses em servir a Justiça, pela busca da verdade."