Sociedade
23 julho 2021 às 20h04

Reforço da vacina contra a covid-19 é prudência ou ganância?

A ministra da Saúde espanhola anunciou a aplicação da 3.ª dose da vacina. A OMS, EMA e especialistas dizem que a prioridade é ajudar os países pobres. O Infarmed contratou mais 24 milhões de vacinas e para já diz que não há necessidade de nova toma.

Céu Neves

A ministra da Saúde espanhola, Carolina Darias, afirmou esta sexta-feira que "tudo aponta" para a necessidade de dar uma terceira dose da vacina contra a covid-19 face ao aparecimento de novas variantes e que podem reduzir a proteção contra este coronavírus.

Numa entrevista à rádio Onda Cero, cita o El País, anunciou: "Tudo parece apontar para que teremos de dar uma terceira da vacina e, nesse sentido, vamos subscrever, com o apoio da UE, um contrato com a Pfizer e Moderna. Falta determinar quando será o momento de administrar o reforço".

A governante anunciou o reforço da vacinação depois da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Agência Europeia do Medicamento (EMA) terem defendido que a questão não se coloca para já. Afirmações na sequência de um pedido da Pfizer, há 15 dias, para avançar para a 3. * dose da vacina. Sendo que a própria farmacêutica acrescentou que tal decisão compete em primeira instância à ciência.

Numa nota enviada às redações, a Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed) refere que "a informação disponível até à data não permite concluir sobre a necessidade, e momento, de realização de reforço vacinal", continuando-se a desenvolver o plano de vacinação..

O virologista Pedro Simas, do Instituto de Medicina Molecular, partilha das posições das organizações internacionais de saúde. "Ainda não chegámos à altura de tomar essa decisão. O grande objetivo é termos 70 % da população portuguesa com a vacinação completa, o que poderemos alcançar dentro de quatro a seis semanas. Temos quase 50 % com a vacinação completa e 65 % com uma dose. Seremos um dos países a chegar a essa meta porque temos uma grande adesão à vacinação, portanto, não é prioritário equacionar essa hipótese", justifica.

O cientista defende que, ao se alcançar os 70 %, a imunidade de grupo, a população está protegida e preparada para reagir ao SARS-CoV-2; acrescenta que a imunidade celular alcançada é duradoura e que a proteção é reforçada pela própria circulação do vírus.

Acrescenta uma outra razão para não se avançar para o reforço da vacinação: uma questão de ética.

"Não há qualquer contra indicação em reforçar a vacinação, como não há em vacinar os menores de 18 anos (o que também não defendo), o problema é que o resto do mundo precisa de ser vacinado", diz Pedro Simas, para sublinhar: "Atualmente, não há uma pandemia na população, há uma pandemia dos não vacinados".

Ilustra a situação com os dados globais da vacinação: A nível mundial, 26,1 % da população levou uma dose da vacina contra a covid-19 e 13,1 % tem a vacinação completa, só que a distribuição dessas pessoas é muito assimétrica. Basta ver o que se passa nos países de língua portuguesa. Em Moçambique, por exemplo, 1,2 % da população levou uma dose da vacina e, apenas, 0,5 % completou o processo.

A justificação do cientista português vai ao encontro do que defende os responsáveis da OMS. Numa conferência de imprensa online, no dia 12 deste mês, apelaram à solidariedade dos países, acusando de "ganância" os que queriam avançar para a 3.ª dose, como Israel.

Patrícia Pacheco, diretora do Serviço de Infecciologia, do Hospital Amadora-Sintra, começa por referir que ainda não há certezas científicas sobre o que fazer em relação a quem já tem a vacinação completa, mas que a questão do reforço deve ser analisado.

"Acho que o caminho vai ser administrar uma 3.ª dose, nomeadamente entre as pessoas com uma maior vulnerabilidade, como os idosos e as que têm comorbidades. Não será o indicado para a população em geral, mas para os grupos de risco, por exemplo, para situações de vulnerabilidade imunológica, quem não tem capacidade pelo sistema imunitário de responder ao vírus", explica a médica.

São essas as pessoas mais afetadas, e com maior gravidade, pela covid-19. São, também, estas as que estão entre os vacinados que chegam ao hospital com problemas derivados da doença. "É o que se passa no meu hospital, não sei o que se passa no país. É necessário ter essa informação para percebermos como será esse reforço, para quem e com que periodicidade", defende Patrícia Pacheco.

No fundo, será uma situação idêntica ao que se passa com a gripe, contra a qual todos os anos os grupos de risco são vacinados. E o SARS-CoV-2 também veio para ficar, como explica Pedro Simas.

A DGS não respondeu ao DN sobre o que pensa fazer, mas já anunciou que a possibilidade será analisada.

O Infarmed, na mesma nota, diz que o problema não será falta de dinheiro.

Portugal tem "dois contratos estipulados, cujo volume de vacinas ultrapassa os 14 milhões, com os laboratórios BioNTech/Pfizer e Moderna". E, para 2023, contratualizou com o consórcio BioNTech/Pfizer mais de 10 milhões de vacinas.