Sociedade
02 julho 2022 às 22h06

O Serviço Nacional de Saúde não pode ter uma resposta igual para todos

O SNS Sistema deverá ser capaz de adequar a prestação de cuidados às necessidades de cada pessoa. Centralidade no cidadão pressupõe igualdade de acesso, mas também de conhecimento e de capacidade de decisão.

A confiança do cidadão no Serviço Nacional de Saúde é essencial para o bom funcionamento do sistema. No entanto, é preciso conquistá-la colocando as pessoas no centro da prestação de cuidados de saúde. Para tal, dizem os especialistas, é preciso apostar em políticas que promovam inclusão, solidariedade, participação, e igualdade de oportunidades. "O cidadão terá melhor acesso aos cuidados de saúde, quanto mais estiver informado, quanto mais literacia tiver, quanto mais as suas necessidades básicas estiverem satisfeitas", diz Mirieme Ferreira, mestre em saúde pública e responsável do projeto Seixal Saudável na Câmara Municipal do Seixal. Na opinião da coautora da tese "Centralidade do Cidadão", desenvolvida no âmbito do projeto Transformar o SNS, a que o Diário de Notícias se associou, se uma pessoa não tiver, em termos de condições socioeconómicas, uma vida estável, "estará de alguma forma excluída do acesso de um conjunto de dimensões, entre as quais os cuidados de saúde".

Um problema para o qual uma das soluções passa, na perspetiva de Pedro Lopes Ferreira, coautor desta tese, por garantir que o SNS responde adequadamente a cada uma das pessoas que têm características distintas. "Não pode ser uma resposta igual para todos, porque as necessidades das pessoas são diferentes", reforça o professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e diretor do Centro de Estudos e Investigação em Saúde da mesma instituição de ensino. "Falamos muitas vezes no acesso às consultas, às cirurgias e aos tempos de espera, tudo isso é acesso. Mas também é acesso, por exemplo, a capacidade de navegar no sistema". A verdade é que, diz o professor, as pessoas perdem-se no sistema e não sabem onde devem ir.

Este desconhecimento é, muitas vezes, fruto da falta de informação, mas, aponta Pedro Lopes Ferreira, também da forma como o sistema e as instituições estão organizadas. "Concretamente no SNS, temos as nossas instituições organizadas em silos perfeitamente estanques, e que não comunicam entre si".

Ainda assim, ambos reconhecem que a literacia é fundamental. "Temos de estar cada vez mais preocupados com a capacidade que as pessoas têm para entender as mensagens apresentadas pelo SNS, de uma forma sistemática", defende Pedro Lopes Ferreira. No entanto, reconhece também que os profissionais de saúde devem falar de forma mais clara, mais entendível e sem jargões médicos e garantir sempre que a pessoa compreendeu a mensagem transmitida. "Há um trabalho grande a fazer ainda, que tem de ser coletivo e sem barreiras".

Neste trabalho que se pretende de parceria e em rede, os municípios são uma peça essencial. Com experiência de campo na cidade do Seixal, Mirieme Ferreira destaca a importância da articulação entre os municípios e os cuidados de saúde primários e hospitalares. No Seixal, exemplifica, "trabalhamos há muitos anos em conjunto, sobretudo nas questões de promoção da saúde e estilos de vida saudável, área em que acrescentamos valor ao SNS". É nesta boa relação, sentido de responsabilidade coletiva e de trabalho em parceria que que se constrói a promoção da saúde, defende ainda a especialista em saúde pública.

Esta organização num ecossistema que inclui SNS e outros stakeholders públicos e privados já estava prevista na última Lei de Bases da Saúde, recorda Pedro Lopes Ferreira. "Os sistemas locais de saúde são extremamente importantes porque são a forma de o SNS dialogar com outras entidades na área da saúde, mas também da educação, habitação ou segurança social", afirma, acrescentando que está previsto nesta lei, mas também no novo estatuto do SNS - que ajuda a arrumar as várias peças do SNS -, a relação com os privados que "é muito importante que fique clara, transparente e que não haja qualquer situação ambígua". Resta esperar para ver o que a aplicação prática da lei nos reserva. "Há uma luz esverdeada que está a começar a aparecer no horizonte, esperemos que seja concretizada de forma a podermos ter uma melhor resposta de todo o sistema, e do SNS em particular, às diferentes necessidades das pessoas", conclui o professor.

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