Sociedade
27 maio 2022 às 12h11

Morreu Mário Mesquita, formador de várias gerações de jornalistas

Nascido há 72 anos em Ponta Delgada, Mário Mesquita morreu hoje vítima de crise cardíaca. Integrou a direção do DN de 1976 a 1986. Como professor universitário, formou várias gerações de jornalistas.

João Pedro Henriques, Paula Sá e Rui Miguel Godinho

Morreu o professor universitário, jornalista e antigo diretor do Diário de Notícias Mário Mesquita.

A notícia foi avançada pelo Correio da Manhã e confirmada ao DN por fonte próxima. Mesquita integrava há vários anos o Conselho Regulador da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação), sendo seu vice-presidente desde 2017 (ver AQUI nota de pesar). Na quinta-feira foi sujeito a uma cirurgia, morrendo esta manhã, vítima de crise cardíaca.

Pioneiro em Portugal do ensino do jornalismo e de Ciências da Comunicação, formado na Universidade Católica de Lovaina (Bélgica), Mário Mesquita nasceu em Ponta Delgada a 3 de janeiro de 1950. Desde a adolescência ativista na oposição à ditadura, foi em 1973 um dos fundadores do PS. De 1975 a 1976 foi deputado constituinte eleito pelo mesmo partido.

Iniciou-se no jornalismo antes do 25 de Abril, no "República". Foi diretor adjunto do DN de 1975 a 1978 e depois diretor, 1978 a 1986. Dirigiu também o "Diário de Lisboa" (1989-1990). Voltaria ao DN em 1997 para ser, durante cerca de um ano, seu Provedor dos Leitores. Foi também colunista no Público e no Jornal de Notícias.

Era professor na Escola Superior de Comunicação Social, em Lisboa. Formou aqui e, primeiro, na FCSH (Faculdade de Ciências Sociais e Humanas) da Universidade Nova várias gerações de jornalistas. Foi também fundador do curso superior de jornalismo da Universidade de Coimbra.

A biografia que consta no site da ERC recorda vários prémios que recebeu ao longo da sua carreira profissional: prémio Artur Portela, atribuído pela Casa da Imprensa, em 1987; Prémio de Reportagem do Clube Português de Imprensa (1986); Prémio Gazeta de Mérito, concedido pelo Clube dos Jornalistas, pela atividade desenvolvida na qualidade de Provedor dos Leitores do DN (1998); e o Prémio Nacional Manuel Pinto de Azevedo Jr., na modalidade de Investigação, concedido pelo jornal O Primeiro de Janeiro, em 1999.

Na ERC, funcionou muitas vezes como uma voz contra a corrente maioritária. Votou vencido a deliberação do regulador que ilibou a TVI na entrevista que fez ao neo-nazi cadastrado Mário Machado. Foi autor de vários livros sobre jornalismo, o último dos quais sobre Mário Soares ("Mário Soares na construção da democracia"). Em junho de 2021 foi objeto de um livro-homenagem, "A liberdade por princípio - Estudos e testemunhos em homenagem a Mário Mesquita".

Em 1981, o então Presidente da República, Ramalho Eanes, agraciou-o com a Ordem do Infante D. Henrique. Foram-lhe igualmente atribuídas condecorações em França (Ordre Nationale du Mérite) e na Bélgica (Ordre Léopold II).

Em 2016, a Assembleia da República declarou-o deputado honorário. Em 2017, recebeu a medalha de honra da Sociedade Portuguesa de Autores. Integrou durante cerca de dez anos a direção da FLAD (Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento).

Em novembro de 2021, a Universidade Lusófona do Porto atribuiu-lhe o título de doutor honoris causa (ver VÍDEO da cerimónia).

Numa declaração publicada no Twitter, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, recordou o percurso de Mário Mesquita na luta pela liberdade de imprensa e do país.

"Lamento profundamente a morte de Mário Mesquita. Jornalista e professor e investigador em jornalismo, era atualmente vice-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. O nosso país e a nossa liberdade de imprensa devem-lhe muito", frisou.

Numa declaração à TSF, o presidente da República recordou a figura de Mário Mesquita em três dimensões: "a memória do aluno, a memória de alguém que se envolveu na política desde o tempo da ditadura e a memória enquanto constituinte".

Enquanto aluno, Marcelo recorda "a imagem de um aluno muito maduro, já com uma grande experiência no domínio do direito, bem entendido, da vida política, da ciência política, da militância pela liberdade e pela democracia".

No espetro político, o presidente da República alguém que se envolveu na política desde o tempo da ditadura, na Comissão Democrática Eleitoral [CDE] de Ponta Delgada, e sobretudo dedicando-se ao jornalismo de alma e coração", atividade à qual dedicou grande parte da sua vida. "Primeiro, dedicando-se como ótimo profissional, depois como responsável por órgãos de comunicação social, mais tarde como jornalista, investigador, professor, e depois com cargos na ERC, ou seja, como alguém que intervém na regulação da comunicação social. E isso tornou-o uma figura, pela sua integridade, pela sua isenção, pela sua probidade, pelo seu militantismo, pela liberdade de imprensa", considerou Marcelo.

Enquanto membro da Assembleia Constituinte, Marcelo recorda a figura Mário Mesquita como tendo tido "um papel importante obviamente na comunicação social, mas em geral também. Ele não era um político, era um militante no terreno pela liberdade, pela liberdade de imprensa e pela democracia".

O presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel Bolieiro, disse estar "em choque" com a notícia da morte de Mário Mesquita, que considerou ser "perda para a cultura portuguesa e para o jornalismo democrático em Portugal e na Europa".

"Recebi, em choque, a notícia do falecimento do meu estimado e admirado jornalista açoriano, uma influência na comunicação social portuguesa durante tantos anos. É uma perda para a cultura portuguesa e para o jornalismo democrático em Portugal e na Europa", lamentou, em declarações aos jornalistas, durante uma visita oficial ao Canadá, e expressou ainda "um sentimento de pesar e condolências solidárias".

O antigo presidente da Assembleia da República João Bosco Mota Amaral destacou esta sexta-feira que "o legado intelectual, cívico e político de Mário Mesquita é de grande riqueza para os Açores e não pode nem deve ser esquecido".

"O súbito e inesperado falecimento de Mário Mesquita deixa em choque os seus familiares e amigos próximos e é uma grande perda para os Açores e a sociedade açoriana", vincou ainda o fundador do PSD e antigo presidente do Governo Regional dos Açores, numa nota escrita enviada à Lusa.

Mota Amaral lembra que Mário Mesquita, nascido em Ponta Delgada, nos Açores, "foi, desde muito novo, uma pessoa de fortes convicções e um lutador por elas".

"Formado num ambiente de oposição à ditadura do Estado Novo, andou à bulha com a Censura e com a PIDE, sinistras instituições encarregadas de zelar pela ortodoxia imposta pelo regime, quando ainda andava no liceu e depois na universidade, já em Lisboa", descreveu.

O Partido Socialista, do qual Mário Mesquita foi um dos fundadores, manifestou, o seu pesar perante as notícias divulgadas esta sexta-feira.

"A Direção Nacional do Partido Socialista (PS) expressa o seu pesar perante a notícia do falecimento de Mário Mesquita, um dos fundadores do Partido Socialista, professor universitário, jornalista e antigo diretor do jornal Diário de Notícias" , lê-se na nota de pesar publicada no site do PS.

Segundo o PS, Mário Mesquita "deixou uma herança profundamente matizada pelo pioneirismo, no que toca ao jornalismo, ao seu ensino e à área das Ciências da Comunicação em geral", não esquecendo que "a sua consciência política foi delineada, desde cedo e de forma inequívoca, pelos contornos do oposicionismo à ditadura de Salazar, luta a que associou a sua escrita."

"Neste momento de luto, endereçamos aos seus familiares e amigos as nossas mais sentidas condolências. A todos, garantimos o nosso empenho na perpetuação da grata memória de Mário Mesquita, que o mesmo emprestou, em Portugal, não só à génese do Partido Socialista, mas também à criação de um jornalismo independente e de uma sociedade justa e democrática", concluem os socialistas na sua nota de pesar.

Numa nota de pesar publicada no seu site, o Sindicato dos Jornalistas recordou o percurso profissional de Mário Mesquita, relembrando "a ligação à oposição à ditadura apoiando a Comissão Democrática Eleitoral de Ponta Delgada em 1969 e 1973".

"O Sindicato dos Jornalistas manifesta o seu pesar e apresenta condolências à família", endereçou a entidade.

A jornalista Diana Andringa, diretora-adjunta de Mário Mesquita no Diário de Lisboa, recordou a pessoa como alguém "com sentido de humor finíssimo" que "sabia rir-se de si próprio".

"A sua figura foi muito importante na criação dos cursos e no cultivar da ideia de que jornalismo também se aprende", afirmou ainda.

Já Alberto Arons de Carvalho, companheiro de lutas políticas, seu camarada no jornalismo (cruzaram-se durante algum tempo no jornal República) e colega na docência, salientou que foi Mário Mesquita quem "plantou as sementes para o início da regulação dos media em Portugal, acabando por estar intimamente ligado à regulação do setor no país", deixando "um contributo escrito inultrapassável".

Segundo o ex-secretário de Estado da Comunicação Social, Mário Mesquita era alguém "determinado", "frontal", "desassombrado" e "corajoso".

O primeiro-ministro português considerou esta sexta-feira que, com a morte de Mário Mesquita, o jornalismo ficou mais pobre, salientando a sua ação na construção do regime democrático enquanto deputado da Constituinte.

"Com a morte de Mário Mesquita, o jornalismo português perde uma referência e o país perde um cidadão empenhado que participou na construção do regime democrático como deputado à Constituinte e à Assembleia da República. As minhas sentidas condolências aos seus familiares e amigos", escreveu António Costa na rede social Twitter.

Notícia atualizada às 19h57 com a reação do primeiro-ministro.